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Análise sobre taxas de 100 mil habitantes indicou que a mortalidade de negros é três vezes maior que a de brancos

Seis em cada dez mortos em decorrência de ação policial são negros, indica a pesquisa Desigualdade racial e segurança pública em São Paulo, do Grupo de Estudos sobre a Violência e Administração de Conflitos (Gevac) da Universidade de São Carlos (Ufscar), lançada oficialmente nesta quarta-feira (2).

A pesquisa, que analisou 737 processos dos anos 2009, 2010 e 2011, mostrou ainda que 97% dos 939 mortos eram homens jovens, entre 15 e 29 anos. 

A análise sobre taxas de 100 mil habitantes indicou que a mortalidade de negros foi quase três vezes maior que as de brancos, em uma proporção de 1,4 negro morto pela polícia para cada 0,5 branco, em 2011. De acordo com números da pesquisa, o Estado de São Paulo tem 14.287.843 negros (que inclui pretos e pardos) e 26.371.709 brancos.

Para a coordenadora da pesquisa, Jacqueline Sinhoretto, o “racismo institucional” é uma das razões para a diferença verificada e as altas taxas de letalidade policial em relação aos negros.

“Não necessariamente o policial é racista. É a forma como as operações policiais são feitas que facilita que a desigualdade racial seja construída. No âmbito das políticas de segurança pública que estão sendo utilizados em São Paulo existe um foco na questão da violência fatal, de acreditar que vai combater com armas as pessoas suspeitas.”

Jovem negro corre 3,7 vezes mais risco de assassinato do que branco, diz estudo.

Segundo o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, responsável pelo Mapa da Violência, há no Brasil uma “tolerância institucional” que força a sociedade a conviver com índices altos de violência com “naturalidade”.

“A culpabilização da vítima acaba justificando a violência dirigida. Há uma caracterização por parte da polícia de que o jovem negro, da favela, que usa bermudão, é criminoso. E não é só a polícia. Essa criminalização parte de diversas instituições”, diz o sociólogo.

Se por um lado a maior parte das vítimas é negra e jovem, os autores são homens brancos em 79% dos casos e têm entre 25 e 39 anos em 73%. 

Entre as instituições, a Polícia Militar se envolveu em 97% das ações que terminaram em morte, entre os anos de 2009 e 2011. A pesquisa também analisou a classe policial dos autores e chegou à conclusão que 59% dos envolvidos em ações letais eram soldados, 12%, cabos e 18% sargentos. A Força Tática, responsável por 54% das mortes em números absolutos, e a Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota), responsável por 39% dos homicídios, são os grupos mais letais. 

Impunidade

A impunidade também apontada pela responsável pela pesquisa como causa para o alto índice de letalidade da polícia paulista. Segundo ela, apenas 2% das ações de homicídio envolvendo policiais militares resultaram em um inquérito, e apenas 1% dos policiais foram indiciados por homicídio, entre 2009 e 2011.

De acordo com a pesquisa, em 73% dos casos, a conclusão da ação foi de que não “houve crime de homicídio por parte dos policiais”.
Em relação aos casos encaminhados a corregedoria da PM, em 60% deles, a conclusão foi de que os policiais não transgrediram a conduta profissional.

“Há um apoio social à diretriz de segurança pública e à violencia. Não vemos as ocorrências policiais sendo investigadas a fundo”, diz a pesquisadora.

Prisões em flagrante

Segundo a autora do estudo, o “racismo institucional” e a “vigilância repressiva aos jovens negros” também podem ser visto quando analisados os casos de prisão em flagrante entre 2008 e 2012. Segundo o levantamento, 54,1% dos presos em flagrantes são negros. Apenas no ano de 2012, a taxa de negros presos a cada 100 mil habitantes foi de 35, enquanto o índice de flagrantes entre dos brancos é de 14.

“Os dados apontam maior vigilância policial sobre a população negra, que se reflete na concentração do número de prisões em flagrante sobre este grupo. Este tipo de prisão não decorre de uma investigação criminal prévia, executada por meio de um mandado judicial, sendo muito mais recorrente em casos de abordagem policial”, informa o relatório.

A pesquisa concluiu também que a maior parte dos autores de homícidios presos em flagrante (55,7%) eram homens brancos. O negros são maioria em casos de prisões em flagrante por roubos (54,5%). 

A Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que “vai analisar o teor e metodologia da pesquisa” para “definir se os dados apurados podem subsidiar aprimoramentos das políticas públicas de segurança “.

Rodnei Jericó da Silva, advogado do Instituto Geledés, diz que os números da pesquisa “espantariam qualquer sociedade que estivesse preocupada em mudar esta situação de violencia contra seus cidadão”. Mas no caso do Brasil, diz ele, a sociedade não sabe respeitar as diferenças [raciais] e o Estado faz “vista grossa”.

“O Estado faz vistto grossa e quando há alguma punição, ela é em grau leve e não reforma, não atrai debate para questão a ponto de pensarmos em uma politica pública para desmistificar a história de formação dos países da América Latina. Assim a tendencia é de que os números da violência [contra negros] aumentem, sem o reconhecimento de direitos”.

Para Airson da Costa, assessor político do SOS Racismo, da Assembléia Legislativa do Estado, os números da pesquisa refletem a exclusão vivida pelos jovens negros da periferia. “Falta educação de qualidade. Assim, os jovens passam pela escola sem saber ler, têm dificuldades para conseguir emprego e ficam excluídos do mercado de trabalho, são cooptados pelo tráfico de drogas, que é para onde se direciona grande parte da repressão policial. Faltam políticas públicas para tirar recuperar esse jovem e o Estado mantém o constrangimento da ação policial, que reprime e mata”, diz.

A pesquisadora Jacqueline garante que a diminuição do número de negros mortos pela polícia passa pelo direcionamento do governo. “O Estado tem que tomar uma atitude e traçar estratégias que protejam jovens negros que também têm direito à segurança. Precisa fazer mudanças na forma de policiamento, que venham a garantir essa segurança”, conclui Jacqueline.