Secretarias do DF distribuem guia para profissionais da educação identificarem casos de violência
No início do ano letivo, professores, coordenadores pedagógicos, diretores e servidores das escolas públicas da educação básica do Distrito Federal (DF) receberam o Guia Escolar – Rede de Proteção à Infância para auxiliá-los a identificar sinais de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes.
O Centro de Referência da Criança e do Adolescente do DF registrou 300 denúncias de violência contra crianças e adolescentes entre janeiro e abril de 2013. Entre os tipos de violência relatados, 72% são de negligência, 48% de violência psicológica, 39% de violência física e 23% de violência sexual. O levantamento revelou um aumento de 29,73% no total de denúncias entre 2012 e 2013.
Não necessariamente houve mais casos, mas os números refletem no mínimo uma mudança de comportamento, conforme destaca a subsecretária de Políticas para Crianças da Secretaria do Estado da Criança do DF, Maura Luciane de Souza. “Esse aumento mostra que as pessoas estão incomodadas com o assunto e estão denunciando. Quanto mais denúncias, mais deveriam ser elaboradas políticas de proteção”, diz. Com o guia, as secretarias da Criança e da Educação do DF pretendem que os profissionais da educação sejam aliados na missão de identificar crianças e adolescentes vítimas de violência.
Para Maura, a escola tem papel fundamental nessa questão. Além de capacitar o profissional, a subsecretária considera importante fortalecer a escola como um espaço de articulação com outros setores, como o da saúde, por exemplo. Maura acredita que o tema tem sido pauta e agenda política no País. “Ele tem saído de debaixo do tapete. Há muitos anos, era um pudor”, observa.
Entre as informações contidas no guia, há dicas de como reconhecer se um jovem ou criança sofreu abuso. Segundo Maura, trata-se normalmente de estudantes muito introvertidos, que se isolam, apresentam um déficit de aprendizagem e um desempenho escolar que não é dos melhores. Além disso, ela ressalta que eles podem apresentar um comportamento agressivo. “São crianças emocionalmente perturbadas”, afirma. Caso os pais identifiquem sinais de abuso ou violência sexual, o recomendado é contatar o Conselho Tutelar, ou então, ligar para o Disque 100, que é gratuito e protege a identidade do denunciante.
Vítimas de violência confiam pouco nos adultosA socióloga e coordenadora da área da juventude e políticas públicas da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (FLACSO), Miriam Abramovay, destaca o papel dos pais na questão. Parte da vida escolar, eles são atores que não estão presencialmente nas instituições e muitas vezes têm uma relação difícil com as mesmas.
Durante suas pesquisas relacionadas ao tema, ela diz que as crianças vítimas de violência revelaram “confiar pouco nos adultos”. O comportamento comum é se queixarem para um colega da mesma idade. “Nós sabemos que os pais nesse momento não só trabalham mas também têm uma sobrecarga de trabalho”, afirma. Dessa maneira, muitas vezes, os pais “não dão conta” de enxergar o que acontece com os próprios filhos. Para ela, a escola deveria trabalhar junto com eles. Entretanto, há uma resistência dos responsáveis quando são chamados na escola, pois geralmente acham que a instituição tem algo para reclamar dos seus filhos. “Fica um clima viciado”, diz, ressaltando que falta diálogo com a família.
A escola, um lugar de aprendizado que deveria ser de bom clima, nem sempre consegue garantir o respeito nas relações, seja entre pais, alunos ou professores. “As relações sociais são muito tensas agora”, afirma Miriam. Para ela, o que os alunos chamam de bullying é “violência mesmo”, sejam julgamentos, discriminação, desrespeito ou até mesmo “zoações” – termo utilizado por jovens. Ela ilustra uma situação: “quando dizem para você que o seu cabelo é ‘ruim’ uma vez, é uma coisa; quando dizem todos os dias, é outra.” Como consequência dessa violência, os estudantes ficam traumatizados.
Professor falam em ir armados para a escolaEla destaca ainda a relação igualmente tensa entre professores e alunos, e reconhece que há professores muito bons, mas também observa que uma grande parte deles não têm paciência com os estudantes. Como exemplo, ela cita uma situação que ocorreu durante suas pesquisas no ambiente escolar. “Em um grupo focal, um professor disse que ia armado para a escola porque não se sentia seguro”, conta. “Que tipo de instituição é essa que até o professor se sente vulnerável e acredita que ninguém nem nada podem protegê-lo?”, questiona. Segundo Miriam, os alunos também reclamam que suas queixam não são levadas a sério.
O clima tenso a que se refere também pode ser explicado, em parte, pela infraestrutura das escolas, de acordo com ela. “Como você quer que a escola seja um lugar agradável quando é tudo quebrado e não tem nada?”, questiona. Para Miriam, isso tudo compõe um ambiente que faz com que os jovens não tenham vontade de ficar naquele local, assim como professores e diretores, que perdem a vontade de ir trabalhar.
Para amenizar ou até mesmo solucionar o problema de violência nas escolas, Miriam acha que primeiro é preciso entender o que acontece dentro das instituições – o que não ocorre no momento. Os Estados e municípios deveriam desenvolver um projeto de convivência escolar, que possa mostrar aos professores qual o papel deles nessa missão de combate à violência. “Isso eles não aprendem na faculdade. A população que está na escola mudou muito, e a gente continua com os mesmos cursos de pedagogia”, reflete. Ela lembra que a violência no ambiente escolar não ocorre somente em áreas de vulnerabilidade social. “Há escolas em bairros tranquilos que são muito violentas, e há escolas que são em bairros violentos que são muito tranquilas”, afirma.
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