A Universidade de Brasília (UnB) deve decidir, no próximo dia 3 de abril, se vai aderir exclusivamente à Lei de Cotas (Lei 12.711) para o ingresso de estudantes negros e indígenas ou se manterá parte da política de inclusão criada pela própria instituição há 10 anos, combinando as regras previstas nas duas normas.
A decisão deveria ter sido divulgada no último dia 13 pelo Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão (Cepe) da universidade, mas foi adiada depois que estudantes pediram mais tempo para discutir as alternativas. O reitor da UnB, Ivan Camargo, garantiu que o assunto será votado antes do próximo vestibular da instituição.
No ano passado, quando a política de cotas da universidade completou uma década, uma comissão formada por professores da UnB concluiu um relatório, com análise de pesquisas e dados do Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (Cespe), da Secretaria de Assuntos Acadêmicos (SAA) e do Centro de Informática da UnB (CPD), que aponta que os resultados da política de cotas da universidade é positivo.
“Com as cotas, a UnB escolheu o caminho certo e o debate nacional que se instalou desde então confirmou esse acerto. Do ponto de vista acadêmico, o rendimento dos estudantes formados, em todas as áreas do conhecimento, não varia muito entre cotistas e aqueles que ingressaram pelo sistema universal. Além disso, os dados mostram a expressiva quantidade de estudantes negros que não teriam ingressado na UnB se não houvesse a possibilidade de concorrência pelo referido sistema de cotas”, destacaram os integrantes da comissão.
No documento, a comissão recomenda que a UnB opte por uma solução mista: a reserva de metade das vagas para alunos de escolas públicas – previsto na Lei de Cotas – e a reserva exclusiva para negros, independentemente da situação socioeconômica, como ocorre atualmente, mas reduzindo o percentual de 20% para 5%. A Universidade de Brasília foi a primeira a adotar uma política de reserva de vagas. Quase 4 mil alunos entraram na instituição por meio do sistema de cotas raciais e 2 mil ex-alunos foram beneficiados pela política.
O grupo aponta, pelo menos, duas razões para essa alternativa. A primeira delas é que, apesar de terem se passado dez anos, o plano de metas definido pela UnB em 2003 ainda não foi totalmente alcançado. “A UnB já inclui, em 2012, um total de 41% de estudantes negros, contudo, a população de pretos e pardos no Brasil, como um todo, é 50%, e no Distrito Federal é 56%, o que significa dizer que se o sistema de cotas for interrompido, a igualdade racial proposta pelo plano de metas não será alcançada em sua plenitude”, afirmaram os professores.
A outra justificativa é que a adesão exclusiva à Lei de Cotas representaria um retrocesso na política de inclusão étnica e racial na universidade. De acordo com a comissão, a lei aprovada pelo Congresso Nacional cria divisões e uma nova dificuldade de ingresso dos negros ao ensino superior.
“Na medida em que as vagas foram divididas em duas partes iguais, é muito provável que os 50% de vagas dedicadas à concorrência geral sejam colonizadas inteiramente pelos brancos de classe média e alta que estudaram nas escolas particulares mais preparadas para esse tipo de competição. A classe média negra tenderá a concentrar-se na escola pública para evitar uma concorrência numérica desvantajosa com os brancos mais ricos”, afirmaram.
Na avaliação do grupo, os jovens negros vão optar pela escola pública e serão “forçados” a competir entre si. “Os negros pobres competirão apenas com os negros pobres e os negros de classe média competirão apenas com os negros de classe média”, destacam.
Durante um debate que ocorreu no final da semana passada, a ativista negra Natália Maria Alves Machado, da primeira turma de cotista da UnB, afirmou que a política foi essencial para conquistar uma vaga na instituição. “Sem cota eu não teria entrado e não teria me mantido na UnB porque só depois da implantação dessa política é que houve uma atmosfera minimamente apta a nos acolher nessa diferença. Pessoas como eu não podem ficar tentando vestibular indefinidamente porque quando saem do ensino médio já caem em subemprego”, disse.
Para Natália, a Lei de Cotas, que privilegia o recorte socioeconômico, limita a inclusão de negros e indígenas na universidade. Segundo ela, apesar de a maioria dos participantes da audiência ser a favor da recomendação do relatório, existe um temor em relação à decisão que será tomada no início do próximo mês. “A nova lei dá uma falsa impressão que contempla a problemática étnica racial, mas só contempla parte da demanda porque trata de pessoas pretas, pardas e indígenas que conseguem comprovar como oriundas de escolas públicas”.
Durante a audiência pública, apenas um aluno se manifestou contrário à manutenção da política de reserva de vagas mantida há dez anos pela instituição. Ouvido pela Agência Brasil – apesar da tentativa de uma professora de direito, que não se identificou, de pressionar a equipe de reportagem com acusações de racismo e parcialidade –, o estudante Calebe Mello Cerqueira disse que é contrário à manutenção da política nos moldes atuais, mas defende a reserva de vagas cotas para estudantes oriundos de escolas públicas. Para ele, o maior limitador de oportunidades é a questão financeira e econômica.
“Não creio em política de cotas como retribuição às desgraças que nós, brancos, fizemos aos negros. Temos que ajudá-los a voltar a ter oportunidades, mas, do ponto de vista intelectual, o negro tem a mesma oportunidade que um branco. A única diferença é no nível de oportunidades. Sabemos que boa parte da população negra é de baixa renda e a capacidade intelectual é interferida por essa situação financeira”, avaliou.
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