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A diferença entre as notas de corte para alunos cotistas e não cotistas que realizaram o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) neste ano chega a quase 180 pontos em um mesmo curso. O que teve a maior disparidade entre as notas mínimas para aprovação na primeira chamada foi o de engenharia mecânica naval na Universidade Federal do Rio Grande (Furg). Para a ampla concorrência, a nota de corte foi 755,02. Já para os alunos negros, pardos e índios que cursaram todo o ensino médio em escola pública e têm uma renda de até 1,5 salário mínimo, a nota de corte foi 575,12 –uma diferença de 179,9 pontos.

G1 obteve com exclusividade os dados do Ministério da Educação via Lei de Acesso à Informação, e publica, desde quarta-feira (19) e até sexta (21), uma série de reportagens sobre o desempenho de cotistas no Sisu 2014. Entre elas, a série aborda as maiores diferenças entre notas de corte e os cursos mais disputados do país (leia ao lado as reportagens já publicadas).

A lei federal prevê quatro tipos de cotas: para alunos de escola pública; para alunos de escola pública que tenham renda familiar de até 1,5 salário mínimo; para alunos de escola pública que se declarem negros, pardos ou indígenas; e para alunos de escola pública que tenham renda familiar de até 1,5 salário mínimo e se declarem negros, pardos ou indígenas.

A comparação entre as modalidades (ampla concorrência e as diferentes faixas de cotas) foi feita levando em conta quase 4 mil cursos de graduação oferecidos por instituições federais.

A paulista Mayra Carolina Pinto de Souza, de 18 anos, foi aprovada e irá cursar engenharia mecânica naval na instituição gaúcha a partir de 31 de março. Ela conquistou uma vaga pela ampla concorrência com a nota obtida no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2013. “Não esperava que com a nota que tirei conseguiria entrar na faculdade pelo Sisu. Mas felizmente deu tudo certo”, diz.

O curso era a primeira opção da estudante; a universidade escolhida, também. “Queria muito estudar na Furg. Me sinto preparada para cursar uma faculdade e acho que meu maior problema vai ser a distância da família”, pondera ela, que já prepara as malas para embarcar para o Rio Grande do Sul. “Minha mãe vai comigo e ficará um mês. Já encontrei alguns futuros colegas no Facebook”, diz a jovem, ansiosa pela nova etapa.

Ação afirmativa
Embora não tenha sido beneficiada pelas cotas, a estudante diz que é favorável ao programa. “No Brasil, a gente tem uma defasagem muito grande na educação. O nível de ensino de uma escola pública para a particular tem uma diferença muito grande. Acho que nesse ponto é importante para a educação das pessoas”, opina. Ela afirma, no entanto, que os colegas poderão ter dificuldades, devido à discrepância nos níveis de ensino. “Mas acho que cabe à universidade, professores e colegas ajudarem nisso. E ao próprio aluno também.”

Cláudio Rodrigues Olinto, coordenador do curso de engenharia mecânica naval da Furg, diz não acreditar que haverá dificuldades de aprendizado em sala de aula. “Não conhecia esses números [das notas de corte com tanta diferença]. Mas acho que isso já aconteceu antes, desde que o Sisu foi implantado, há três anos. Mesmo assim, não acredito que haverá dificuldades. Até o momento não se identificou tanta disparidade entre os nossos alunos”, diz.

A professora Angela Randolpho Paiva, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), pesquisa políticas de ação afirmativa e diz que, pelos relatos dos gestores de instituições que aplicam algum tipo de cota ou bônus, os cotistas não apresentam dificuldades de aprendizagem maiores que os estudantes aprovados na seleção tradicional. “Há um consenso de que esses alunos dão tudo de si, porque sabem que é a única chance que têm de fazer o ensino superior. Esse corte do vestibular é uma linha quase imaginária. Quem garante que aluno bem treinado para passar na linha de corte vai ser bom aluno na universidade?”, questiona ela.

Segundo o professor Olinto, da Furg, a cada fim de ano são realizadas avaliações sobre o desempenho dos alunos. O professor, que ministra classes de introdução à engenharia mecânica naval para os calouros, diz que professores e estudantes são orientados a auxiliar os novatos. “A universidade tem uma prática de acompanhar de perto o desempenho dos alunos, oferece atendimento dos professores. Além disso, há monitores, colegas de disciplinas mais avançadas que ajudam os outros. Temos essa prática de ajudar no que for possível. Não identificamos problema ainda nesse sentido.”

O curso de engenharia mecânica Naval na Furg é recente, e a primeira turma colará grau neste ano, explica o professor.

Angela Randolpho reforça que, além da cota, a universidade precisa ter uma política de permanência dos estudantes na universidade. “O aluno passa no vestibular, mas não tem dinheiro para comprar livro, se alimentar, se alojar. É um aluno que chega com outras necessidades, que as universidades não estavam acostumadas a ter. Antes, elas só recebiam alunos de classe média ou classe média alta”, diz.

Segundo ela, aulas de reforço na faculdade, quando necessárias, ou que cubram outras áreas com defasagem, como informática e inglês, só ajudam a aumentar a democracia dentro da instituição.

Exceções
Apesar de na quase totalidade dos cursos a nota de corte para a ampla concorrência ter sido maior que a dos cotistas, há casos em que foi verificado o oposto.

Dentre essas exceções, a maior diferença encontrada foi de 84,15 pontos a favor dos cotistas que, independentemente da renda, tenham cursado todo o ensino médio em escola pública. Isso aconteceu no curso de história na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), no campus Pantanal.

Em alguns cursos, como o de engenharia agrícola e ambiental na Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas, e o de alimentos na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, a diferença foi decimal (0,02 pontos) entre as notas de cortes de cotistas e não cotistas.