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Municípios sem progressão continuada ou com sistema apenas nos iniciais têm resultados positivos no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal.

Os alunos do ensino fundamental da rede municipal da capital paulista e da rede estadual de São Paulo poderão ser retidos em mais séries, de acordo com a nova alteração na progressão continuada das escolas para 2014. A mudança deve evitar a aprovação de alunos com baixo aprendizado e demandará das escolas um esforço maior para que a reprovação não dispare.

A progressão continuada é defendida na Lei de Diretrizes e Bases como uma forma de garantir a permanência do aluno na escola. Normalmente é organizada por ciclos compostos de séries, de modo que o aluno só possa ser reprovado no final de cada ciclo, e não a cada ano. É um mecanismo para, em tese, evitar o abandono. Contudo, o desempenho dos alunos pode cair à medida em que avançam de série sem conhecimento adequado.

Das três cidades com maior Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de Educação em 2013 no País, uma não tem progressão continuada e as outras duas mantêm o sistema apenas em alguns anos iniciais. Os resultados dessas escolhas vêm sendo positivos, de acordo com os dados mais recentes da Prova Brasil e do Censo de 2011. As cidades paulistas de Águas de São Pedro, São Caetano do Sul e Santos (primeiro, segundo e terceiro lugar no IDHM, respectivamente) obtiveram boas avaliações em matemática e português, em comparação com a capital paulista.

Na rede municipal de São Paulo, é baixo o percentual de alunos reprovados nas séries iniciais e finais do ensino fundamental (4,3% e 7,2%, respectivamente). Entretanto, são poucos os estudantes com conhecimento adequado no 5º e no 9º ano em matemática (27% e 10%) e português (34% e 23%). As taxas de abandono escolar, por sua vez, são de 0,8% (1.621 alunos) nas séries iniciais e 1,8% (4.409 alunos) nas séries finais do ensino fundamental.

Antes, os alunos poderiam ser retidos em dois ciclos, tanto na rede estadual quanto na municipal da cidade de São Paulo, no 5º e 9º anos. A partir de 2014, serão três: o primeiro engloba do 1º ao 3º ano, o segundo, do 4º ao 6º, e o terceiro, do 7º ao 9º. Na rede municipal, a retenção poderá ocorrer cinco vezes, nos 3º, 6º, 7º, 8º e 9º anos.

A seguir, conheça mais sobre como as três cidades de melhor IDHM de Educação equilibram reprovação, abandono e desempenho dos alunos.

Águas de São Pedro: reprovação sem abandono
No município de Águas de São Pedro, primeiro colocado no IDHM de Educação, a realidade do ensino é bem diferente da capital. Com cerca de 2.700 habitantes, segundo o Censo 2010 do IBGE, tem apenas uma escola de ensino fundamental, que atende do 1º ao 9º ano, e outra do 1º ao 5º ano, oferecendo contraturno com atividades de educação física e artística, de acordo com Fernanda do Nascimento, funcionária efetiva na área de Educação que respondeu interinamente pela Secretaria Municipal de Educação para esta reportagem. Segundo Fernanda, “no momento, a rede municipal não irá aderir a este modelo de ciclos, uma vez que a avaliação anual vem gerando bons resultados”. Para ela, a principal vantagem de Águas de São Pedro em relação a outros modelos de ensino está no atendimento especializado a alunos com dificuldades de aprendizagem, salas de recursos multifuncionais para alunos com necessidades de atendimento educacional especializado, recuperação paralela em outros turnos e a presença constante de uma orientadora educacional.

Sem progressão continuada (salvo nas três primeiras séries), o município tem índices de reprovação mais altos do que a capital: 2,2% foram retidos nas séries iniciais e 13,6% nas séries finais do ensino fundamental. Contudo, provando que não necessariamente a reprovação estimula o abandono, nenhum estudante deixou a escola no período. “Águas de São Pedro é um município bastante pequeno em que todos se conhecem. A participação das famílias na vida escolar dos alunos é efetiva e vemos esta ação como fator principal para que o aluno permaneça na escola”, explica Fernanda.

Em relação ao desempenho dos alunos, mais uma vez a cidade se destaca: 60% dos alunos do 5º ano e 33% dos alunos do 9º ano tem conhecimento adequado em matemática. Em português, o resultado é ainda melhor: 66% no 5º ano e 52% no 9º ano.

A rede municipal utiliza a progressão continuada apenas nas três séries iniciais do ensino fundamental, de acordo com o Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). Neste período, o foco é a alfabetização das crianças de até no máximo 8 anos. Fernanda acredita que a reprovação influencia diretamente na autoestima do aluno, o qual deve ter uma atenção diferenciada para aprender com tranquilidade e segurança o conteúdo do ano anterior: “cabe ao professor investigar a deficiência do aluno e traçar estratégias e metas para superá-las. O olhar e a atitude do professor farão toda a diferença”, acredita.

São Caetano do Sul: “reprovação não é castigo”
Em São Caetano do Sul, “a reprovação é um fato, porém nunca um castigo”, diz a responsável pelo expediente da Secretaria de Educação do município, Ivone Braido Voltarelli. Segundo ela, “mais grave do que a reprovação bem documentada e responsável é a permissão da formação de analfabetos funcionais, que chegam ao mercado de trabalho totalmente despreparados”. Lá, a reprovação é bem mais alta do que na capital; por outro lado, o desempenho dos alunos é melhor inclusive do que Águas de São Pedro.

Veja os dados: 6,4% de reprovação nas séries iniciais e 20% nas séries finais; 70% dos alunos com conhecimento adequado em matemática no 5º ano e 49% no 9º. Como é de se esperar, os resultados em português também superam a capital: no 5º ano, 75%, e no 9º, 71%.

Assim como Águas de São Pedro, em São Caetano do Sul, a reprovação alta não é sinônimo de abandono alto. A cidade, com mais de 149.500 habitantes, registrou apenas três abandonos até o 5º ano e quatro até o 9º ano. Para Ivone, a disciplina exigida pelas famílias, a estrutura das escolas e o comprometimento dos professores contribuem para manter os alunos na escola.

O município não utiliza a progressão continuada, informa Ivone, que observa o lado negativo do sistema. “Infelizmente, temos nos deparado com crianças que chegam de escolas onde se utiliza esse sistema e que não apresentam requisitos básicos para o ano escolar indicado. Na maioria das vezes, não conseguem acompanhar o nosso ritmo, ficando sujeitos à reprovação”, lamenta.

A partir de 2014, a novidade no município será a redução da média escolar de 7,0 para 6,0. Em nota oficial, Ivone destaca que a medida levou em conta a possibilidade de o fracasso escolar do aluno ser decorrente de avaliações mal elaboradas, que apenas medem a capacidade do estudante por meio de notas e conceitos, sem levar em conta o contexto e desempenho social do aluno. “Esperamos rever esses conceitos e filosofias para que, com isso, consigamos evitar a evasão escolar, minimizar a exclusão dos alunos da escola e, consequentemente, da nossa sociedade”, conclui.

Santos: progressão continuada apenas nos 1º, 2º e 4º anos
Das três cidades líderes do ranking do IDHM de Educação 2013, Santos é a maior, com mais de 419.750 habitantes, e tem os piores desempenhos em matemática e português: apenas 18% dos alunos aprendeu o adequado em matemática no 9º ano, em oposição aos 45% do 5º ano; em português, foram 35% e 50%, respectivamente.

Para a secretária municipal de Educação de Santos, Jossélia Fontoura, o aluno não aprende por dois motivos. O primeiro deles seria um sistema de ensino enfraquecido, sem cobranças e regras. O segundo, uma quebra no “triângulo” aluno, professor e família. “Ou os professores não ensinam, ou o aluno não leva a sério a progressão continuada ou a família não acompanha. Na minha opinião de professora, é preciso ter um endurecimento nas regras, por parte dos governos federal, estadual e municipal”, diz.

Segundo Jossélia, em Santos não haverá nenhuma mudança para 2014. Os alunos são aprovados automaticamente apenas no 1º, 2º e 4º ano do ensino fundamental. A reprovação no município é menor nas séries iniciais do ensino fundamental e maior reprovação nas finais, em comparação com a rede municipal de São Paulo: em 2011, 3,8% e 11,8%, respectivamente, foram retidos. As taxas de abandono, no entanto, não foram tão altas: 0,5% (86 alunos) e 3,2%(150 alunos) para 5º e 9º ano, respectivamente.

Apesar de defender um maior rigor no ensino, a secretária não acredita em benefícios na reprovação. “Temos tantos recursos, metodologias e estratégias modernas para trabalhar de forma diferenciada, que a reprovação deve ser o último dos últimos recursos, quando não há mais jeito. A recuperação deve ser ao longo do ano e em tempo real, na sala de aula, não ao final do ano, pulando as matérias que não se sabe”, defende.

 

 

SP: redes estadual e municipal poderão reprovar mais vezes neste ano letivo
O ano letivo de 2014 começará com novidades no ensino fundamental da rede estadual de São Paulo e da municipal da capital paulista. Em 2013, o Estado e a prefeitura anunciaram a alteração de dois para três o número de ciclos do ensino básico – mudança que altera o sistema de progressão continuada, uma recomendação da Lei de Diretrizes e Bases para combater a evasão e prevenir a repetência. Na rede estadual, a progressão continuada existe desde 1998, enquanto na rede municipal de São Paulo foi introduzida em 1992 pelo educador Paulo Freire, então secretário de Educação no governo de Luiza Erundina.

SP: reprovação não garante a qualidade do ensino, diz sindicato

O primeiro ciclo engloba do 1º ao 3º ano; o segundo, do 4º ao 6º; e o terceiro, do 7º ao 9º. Até então, só era possível reter o aluno nos 5º e 9º anos das redes estadual e municipal. Com a alteração, na rede estadual, o aluno poderá ser reprovado três vezes – nos 3º, 6º e 9º anos; na rede municipal, a retenção poderá ocorrer cinco vezes, nos 3º, 6º, 7º, 8º e 9º anos.

Dados de 2011 mostram que a rede estadual de São Paulo apresenta um índice de 2,1% (15.233 alunos) de reprovação nos anos iniciais do ensino fundamental e 0,4% de abandono (2.777). Aparentemente, são números baixos que poderiam ser comemorados; contudo, ao olhar os resultados de desempenho na rede estadual, o cenário não é animador. De acordo com a Prova Brasil 2011, o aprendizado adequado de português e matemática para o 5º ano é de 42% e 40%, respectivamente. No 9º ano, os índices caem para 25% e 11%, e estão inseridos em um contexto maior de reprovação e abandono: 13,4% e 4,3%, respectivamente, para os anos finais. Ou seja, se, por um lado a grande maioria é aprovada, por outro, é uma minoria que avança com conhecimento satisfatório.

Apesar da possibilidade de maior reprovação, o governo espera melhorar o aprendizado dos alunos. De acordo com a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, as mudanças no plano de ensino, com o aumento no número de ciclos, são amparadas por ações, estudos e consultas à rede estadual, iniciados em 2011. Para a coordenadora de Gestão Básica, Maria Elizabete da Costa, no período de estudos, foram implantadas novas formas de reforço escolar e as modalidades já existentes foram intensificadas para aprimorar a progressão continuada. “É importante ressaltar que a definição dos ciclos não foi intempestiva e foi estudada ao longo de três anos para ser concretizada. Nós acreditamos no modelo de progressão e por isso ele foi aperfeiçoado. A ampliação dos ciclos não tem foco punitivo e, sim, formativo. Todos os 4,3 milhões de alunos da rede são permanentemente avaliados, recebem boletins escolares bimestralmente, com a divulgação feita inclusive pela internet para facilitar o acompanhamento dos pais”, afirma.

Maria Elizabete destaca ainda que, caso o aluno não esteja presente em 75% das aulas, ele é reprovado, independentemente do ano em que estiver matriculado. E acrescenta que o investimento na formação continuada dos professores efetivos e auxiliares está entre as iniciativas da rede estadual para reforçar o aprendizado.

Desafio é garantir aprendizagem
Para a diretora-executiva do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz, a mudança é positiva, mas, como muitos projetos bem desenhados no papel, depende de uma boa implementação. “É uma proposta que tem potencial de gerar resultados muito bons, mas entre ter potencial e a realidade, há uma diferença muito grande. Faz parte de uma boa implementação não fazer com que essa mudança nos ciclos gere maior reprovação e garanta aprendizagem”, afirma. Priscila ainda critica a reprovação como um estímulo para a evasão escolar e uma medida sem garantias de que o aprendizado se concretize. “O aluno repetir o mesmo processo equivocado que fez com que não aprendesse não garante a aprendizagem”.

Como observa Priscila, aprovar ou reprovar sem que o aluno aprenda são erros graves no Brasil. Para garantir um aprendizado mais satisfatório, de acordo com ela, é preciso repensar estruturas macro e micro da educação do País. De uma forma mais ampla, formar adequadamente os professores, por exemplo. “A maior deficiência do sistema está na formação dos professores, que está distante da sala de aula. Além disso, as carreiras não são atrativas, não atraem os melhores alunos do Ensino Médio para a carreira docente”, afirma.

Aspectos mais locais e específicos de cada escola também devem ser levados em conta, de acordo com a diretora-executiva do movimento Todos pela Educação. “Questões micro ligadas às escolas também são importantes, como ter bom planejamento, bom plano político-pedagógico, maior participação das famílias, ter um diretor que saiba gerir as escolas – porque hoje, no Brasil, só São Paulo tem carreira específica para diretor, de resto, são professores que se tornam diretores. A atividade de gerenciar uma escola é muito diferente de dar uma aula”. Para ela, nenhuma das soluções deve ser pensada separadamente: “a imagem que tenho na cabeça sobre essas soluções é a de uma orquestra. Todos os instrumentos devem estar tocando bem, de forma harmônica.”