Nos últimos quatro anos, o ingresso de alunos na UnB consolida uma tendência há muito almejada pela instituição de ensino: a maior presença de negros em sala de aula.
A Universidade de Brasília ganhou mais cor. Nos últimos quatro anos, o ingresso de Alunos na UnB consolida uma tendência há muito almejada pela instituição de Ensino: a maior presença de negros em sala de aula. Do total de aprovados no Programa de Avaliação Seriada (PAS) e no vestibular entre 2009 e 2013, 41% são negros. Essa mudança tem relação direta com a política de cotas raciais, adotada pela UnB desde 2004, e pela legislação federal que instituiu as cotas sociais em 2012.
Os 20% de vagas exclusivas para negros no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) de 2014 têm chance de serem os últimos da história. As cotas de caráter racial, iniciativa de vanguarda da UnB, serão reavaliadas. A ação afirmativa completa 10 anos e o destino dela está nas mãos dos quase 70 integrantes do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe). De 2004 até o ano passado, 18,5% dos estudantes que se formaram pela universidade são negros e ingressaram na instituição graças ao sistema.
Em março, o Cepe terá acesso ao relatório de uma comissão criada em junho de 2013 para levantar todos os dados que possam embasar a discussão. Entre as decisões possíveis, estão o fim das cotas, no modelo como estão; a redução do percentual; ou a continuidade do sistema, que aprovou 6.273 negros para a UnB.
Inclusão social
No fim de 2012, o Congresso Nacional aprovou a Lei Federal nº 12.711. A norma prevê a reserva de 50% das vagas em instituições federais de Ensino para estudantes oriundos de Escolas públicas, negros, pardos, indígenas e de baixa renda até 2016. Do total de vagas, metade é reservada aos candidatos de famílias com renda per capita inferior ou igual a 1,5 salário mínimo.
A aplicação começou no início de 2013, com 12,5% das oportunidades. Hoje, a obrigatoriedade é de 25%, mas a UnB, por exemplo, aplica 1% a mais.
Na instituição brasiliense, a união dessa medida com o Sistema de Cotas para Negros no Sisu deste ano, por exemplo, possibilitou a reserva de 46% das vagas totais a ações afirmativas. Para o integrante da Comissão de Avaliação das Cotas e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa (INCTI), José Jorge de Carvalho, a lei do governo é deficiente e, caso a política de cotas para negros acabe, a UnB deixará de ser uma universidade plenamente inclusiva. Uma das soluções sugeridas pelo especialista é a adoção de um modelo misto, semelhante ao de hoje. “Utiliza as reservas sociais, mas mantém um percentual que compense as exclusões provocadas pela lei. Seria justo manter um percentual de 5% para as cotas raciais.”
Três perguntas para
Fátima Brandão, decana em exercício de Ensino e Graduação da UnB
A UnB pode conciliar os dois tipos de cota?
Esse é um debate que vai estar na agenda do Cepe. O que está no bojo dessa discussão é a UnB assumir ou não o protagonismo nesse debate. A política do governo precisa ser aperfeiçoada, e a UnB pode, com essa experiência e esse protagonismo histórico, dar essa nova contribuição.
As cotas raciais atingiram as metas previstas nesses 10 anos?
Ao discutir a cota racial, a UnB trouxe o tema para a agenda nacional. É importante ter clareza de que a desigualdade que foi posta não atingiu a maturidade. Não temos, de fato, o ganho social pleno. Temos o desafio de que as cotas sociais do governo não dão conta da desigualdade.
Qual é o papel da comissão nesse debate?
A missão é subsidiar essa deliberação. Ela consolidou dados, com o apoio do Cespe, e faz considerações finais com o que significa a continuidade do sistema ou o fim.
Meta é igualdade entre alunos
egundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 56% da população do Distrito Federal é constituída de negros. A intenção da Universidade de Brasília é alcançar ao menos a igualdade — ou seja, 50% de estudantes negros nas salas de aula .
No estudo elaborado pela comissão, a palavra negro inclui pretos e pardos. A avaliação mostrou ainda que o Índice de Rendimento Acadêmico (IRA) dos cotistas, em alguns casos, ultrapassa o dos aprovados pelo sistema universal. Na maioria das comparações, o desempenho é parecido, não passa de 10 décimos (veja quadro acima). Eles chegaram a ter notas piores até 2007, mas, após a consolidação do sistema, os números mostram que conseguiram chegar bem próximo de igualar os resultados.
Reparação histórica
O funcionário do Tesouro Nacional Higor Faria, 23 anos, entrou pelas cotas para negros em 2008. Na época, a política começava a ser consolidada e vigorava o senso comum de que o ingresso deles faria cair o nível de Ensino da instituição. “Éramos bem estigmatizados. Por ser negro, entrei pelas cotas para reafirmar a política. Desde a escravidão, jogaram os negros em um canto e não olharam para eles. Estudei a vida inteira em Escola privada. Não acho que a existência das cotas sociais elimine a existência da outra reserva”, afirmou.
Todos os argumentos devem ser apresentados ao Cepe, em março. Para o Professor do Centro de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica de Brasília Célio da Cunha, é hora de refletir. “As cotas têm um saldo positivo. A evolução da cota racial para a social, no sentido de assegurar um lugar na universidade, não só para afrodescendentes e indígenas, mas para todas as pessoas que necessitam, rende uma boa discussão”, analisa. Para ele, não se trata de substituir, mas de aperfeiçoar.
José Jorge de Carvalho ressalta que há mais chances de acesso à universidade. “Hoje, qualquer negro pode se candidatar. Existem alguns que são bolsistas, outros que estudam em Escolas da periferia, com mensalidade de R$ 200, também com um cunho social. Eles não podem ser excluídos. Um (sistema) é reparação histórica racial, outro, por faixa de renda”, avalia o coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa. Ele acredita que um aceno positivo do Cepe para a continuação da política coloca a UnB novamente na posição de vanguarda.
Comentários