Estudo mostra que os cortes de renda fixados pela lei fazem com que a disputa por cadeiras para pretos, pardos e indígenas com menor renda seja duas vezes mais acirrada do que para brancos.
Entre os beneficiados pela Lei de Cotas, a competição por vagas é maior entre os que mais precisam: Alunos pretos, pardos e indígenas (PPI) de Escola pública e que têm renda baixa. Um estudo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) mostra que, apesar dos avanços, os cortes de renda fixados pela lei fazem com que a disputa por cadeiras para pretos, pardos e indígenas com menor renda – abaixo de 1,5 salário mínimo per capita – seja duas vezes mais acirrada do que para brancos pobres.
O motivo é que a Lei 12.177/12 divide os Alunos de Escola pública igualmente em dois grupos pelo recorte de renda. A diferença de competitividade – medida no estudo com base no número de jovens entre 15 e 17 anos em cada Estado, de acordo com o Censo 2010, que são potenciais candidatos nos vestibulares -é causada pela combinação dos dois critérios: renda e origem na Escola pública, que na maioria dos casos também serve como filtro de classe social.
Como Alunos com renda mais baixa são maioria entre os matriculados na rede pública, esse grupo conta com menos vagas disponíveis, proporcionalmente, pela divisão proposta. “Quando as famílias têm um pouco mais de dinheiro, logo colocam o filho em um colégio particular”, explica o coordenador do trabalho e Professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), João Feres Júnior.
O patamar de 1,5 salário mínimo per capita é um dos questionamentos sobre a Lei de Cotas. “É um número mágico. O valor tem pesos diferentes em cada um dos Estados”, pondera Feres Júnior. O estudo, porém, aponta que a eliminação do corte de renda poderia aumentar as distorções. Segundo ele, uma das saídas para reduzir as diferenças é adotar critérios que considerem médias salariais de cada região. “É natural que a lei não atenda a todas as demandas do mesmo modo”, completa.
A Assessoria de Imprensa do Ministério da Educação (MEC) afirma, em nota, que o patamar de 1,5 salário mínimo per capita é o mesmo usado no Programa Universidade para Todos (ProUni), “política afirmativa consolidada e referendada pelo próprio Supremo Tribunal Federal em sua constitucionalidade”, que dá bolsas a Alunos de Escolas públicas em faculdades privadas. Segundo o ministério, os detalhes da lei foram amplamente discutidos no Congresso e ainda não são previstas alterações.
Desequilíbrios. Os variados números de pretos, pardos e indígenas existentes em cada Estado do Brasil também provoca discrepâncias.
E cerca de cinco vezes mais difícil para um negro do Maranhão, estudante da rede pública e de menor renda, conseguir vaga na universidade federal de seu Estado do que para um negro de Santa Catarina nas mesmas condições, por exemplo.
No topo dessa lista de competitividade estão outros representantes das regiões Norte e Nordeste, como Bahia, Pará, Amazonas, Acre e Roraima. Pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), no entanto, os candidatos podem tentar carreiras em qualquer universidade do País que esteja cadastrada.
Segundo o estudo, os dados revelam que “o padrão de desigualdades regionais característico do Brasil não é inteiramente revertido pela política”.
Cotas devem passar por avaliação constante, afirmam especialistas
Os números mostram que o modelo de cotas e seus efeitos na prática devem ser monitorados, segundo os especialistas. A Lei 12.711/2012, que trata da reserva de vagas em universidades federais, prevê acompanhamento e avaliação da ação afirmativa pelo Ministério da Educação (MEC), com apoio da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e da Fundação Nacional do índio.
Para o pesquisador da UERJ João Feres Júnior, é necessário ter mais clareza sobre como os impactos são medidos para fazer ajustes, “Corrigir antes de avaliar é improdutivo”, diz. Em dez anos, também é prevista revisão global da política.
Para o diretor da ONG Educafro, Frei David Santos, o comitê dê avaliação é fundamental para garantir a qualidade do sistema e tornar o acesso ao Ensino superior menos excludente. “O negro pobre precisa ter certeza de que vai disputar entre os iguais (meritocracia justa) e não entre os desiguais, os ricos (meritocracia injusta)”, diz. O grande desafio, segundo ele, ainda é fazer com que os negros se encorajem a tentar as vagas.
O advogado José Roberto Ferreira Militão, crítico ao corte racial na seleção universitária, acredita que a reserva deveria seguir apenas critérios sociais. “Cria-se uma disputa racial entre os mais pobres, que costumam ficar entre os últimos nos vestibulares”, argumenta.
O comitê de acompanhamento da Lei de Cotas, de acordo com o MEC, tem se reunido periodicamente e analisado os dados do primeiro ano de implementação, além de participar de encontros nas universidades. O próximo passo, informa a pasta, é ouvir pró-reitores de graduação para obter informações sobre as experiências.
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