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Ao longo dos anos, desde o primeiro Mapa da Violência divulgado em 1998, viemos tratando os acidentes de trânsito como um capítulo privilegiado da violência letal que cerceia milhares de vidas em nossa cotidiana convivência. Apresentadas como fatos casuais, acaso, obra do destino, preço do progresso etc., constrói-se uma imagem de fatalidade em torno do problema que foge do controle e da responsabilidade das instituições humanas, já a partir da própria nomenclatura.
Com este trabalho, estamos tentando desconstruir essa imagem prevalecente na opinião pública, na mídia e, principalmente, nas instituições públicas responsáveis pela gestão do trânsito e da mobilidade territorial. Nesse contexto, nos últimos mapas começamos a olhar com preocupação o grave crescimento das mortes de motociclistas e, com maior apreensão ainda, as justificativas e alegações institucionais de culpar os motociclistas pela sua própria morte. Além disso, esse incremento na mortalidade dos motociclistas se inscreve num marco mais amplo: o do progressivo agravamento global da violência no trânsito, que levou as Nações Unidas a proclamar a Década de Ação pela Segurança no Trânsito 2011-2020, procurando, primeiro, estabilizar e, posteriormente, reduzir as cifras de vítimas previstas, mediante a formulação e implementação de planos nacionais, regionais e internacionais.
E não era para menos. Os estudos divulgados em 2010 e 2013 pela Organização Mundial da Saúde para a formulação e suporte a essa resolução1 são estarrecedores, indicativos de uma séria epidemia letal no trânsito das vias públicas do planeta:

  • Só no ano de 2010, aconteceram 1,24 milhão de mortes por acidente de trânsito em 182 países do mundo.
  • Entre 20 e 50 milhões sobrevivem com traumatismos e feridas.
  • Os acidentes de trânsito representam a 3ª causa de mortes na faixa de 30-44 anos.
  • A 2ª na faixa de 5-14 e
  • 1ª na faixa de 15-29 anos de idade.
  • A OMS estima que, na atualidade, 90% dessas mortes acontecem em países com rendimentos baixos ou médios que, em conjunto, possuem menos da metade dos veículos do mundo.
  • E vai ser precisamente nesses países que as previsões da OMS indicam que a situação vai se agravar ainda muito mais, em função de um esperado aumento nos índices de motorização, sem equivalentes investimentos na segurança nas vias públicas, como vem acontecendo no Brasil.
  • Atualmente, tais acidentes já representam um custo global de US$ 518 bilhões/ano.
  • Se nada for feito, a OMS estima que deveremos ter 1,9 milhão de mortes no trânsito em 2020 e
  • 2,4 milhões em 2030.

Dada a relevância e a magnitude do problema, julgamos necessário realizar um estudo específico sobre o tema e divulgá-lo em separado. Mas, diferentemente dos mapas anteriores, no presente estudo focalizaremos a mortalidade de motociclistas, por dois motivos centrais:

  • No Mundo: como aponta o documento das Nações Unidas, perto da metade das vítimas de acidentes de trânsito no mundo são as denominadas categorias vulneráveis (pedestres, ciclistas e motociclistas). Essa proporção é ainda maior nos países de rendimentos médios e baixos, pela maior densidade das categorias.
  • No Brasil, no ano de 2011, 66,6% – dois terços – das vítimas no trânsito foram pedestres, ciclistas e/ou motociclistas, mas as tendências nacionais da última década estão apontando uma evolução marcadamente diferencial ao resto do mundo:

– Quedas significativas na mortalidade de pedestres;
– Leve aumento da mortalidade de ocupantes de automóveis e
-Pesados aumentos na letalidade de motociclistas.
 

1 World Health Organization. Global status report on road safety 2013: supporting a decade of action. Switzerland. WHO, 2013. Organización Mundial de la Salud. Informe sobre la situación mundial de la seguridad vial: es hora de pasar a la acción. Suíça. OMS, 2010.