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Apesar de os indicadores da Pnad mostrarem avanços em praticamente todas as áreas nas últimas décadas, especialistas alertam para as deficiências difíceis de serem percebidas a partir apenas da análise desses números. A questão central é que muitas vezes os resultados quantitativos positivos ofuscam problemas qualitativos.

O caso mais evidente é o da Educação. De acordo com Rosa Ester Rossini, Professora titular do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), apesar de o Ensino fundamental estar praticamente universalizado, o nível de aprendizagem ainda é muito baixo. — Desde a ditadura, nós temos dados de Alfabetização para consumo externo.

Hoje, entre 40% e 60% dos estudantes de primeira à quarta série não sabem ler ou escrever. Igual percentual de Alunos da quinta à oitava série sabe ler e escrever, mas não sabe o que lê e escreve. A situação é alarmante. Há, por exemplo, uma enorme perda de qualidade na entrada de jovens na universidade. O jovem, hoje, entra na faculdade e não sabe pensar. Sabe copiar e colar. Temos que começar quase do zero — lamenta a Professora.

LUTA POR IGUALDADE E EQUIDADE
Sobre os resultados obtidos na Educação pelos dois períodos de governo, o Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Alberto Ramos reforça entendimento comum entre especialistas que analisam dados: — Quando você chega a percentuais de 95% ou 96%, aumentar é muito difícil. Então, você tinha pouca coisa para fazer no governo Lula em relação à inclusão no Ensino fundamental, por exemplo.

O Professor da UnB analisa um outro problema não revelado de imediato pelos números: mesmo com os avanços na renda e no nível de emprego, ambos ainda atingem mais fortemente o mesmo grupo que mais sofria na década de 1990, que são os brasileiros com Educação média. — Se você pega a curva do desemprego, as taxas mais baixas estão entre os Analfabetos e os de Educação superior. Ou seja, o problema do desemprego no Brasil está na Educação média.

A estrutura do desemprego não mudou. Nos anos 1990 e hoje ela é similar. Ela se desloca, mas a estrutura é exatamente a mesma — explica Ramos: — O aumento do salário mínimo beneficia os trabalhadores menos qualificados. No caso dos trabalhadores do Ensino médio, há uma estagnação em termos reais do salário. Isso ocorre porque as pessoas estão chegando ao mercado de trabalho com Educação média e como há um excesso de oferta isso tende a reduzir os salários.

A Professora Rosa Ester Rossini, especialista em questões de gênero, destaca também que o avanço na participação das mulheres no mercado de trabalho não deve ser fruto de comemoração intensa. Segundo ela, é resultado das dificuldades das famílias de serem mantidas apenas com o trabalho dos maridos. E, ao mesmo tempo, de uma opção das empresas por remunerações menores. — Em relação ao trabalho da mulher vejo conquistas enormes, mas elas, no fundo, entraram no mercado de trabalho porque, com o número de horas que o companheiro trabalha durante a semana, é impossível manter a família em condições mínimas. Então, a intensificação não é só uma conquista.

A mulher entra no mercado e não ganha igual ao homem, talvez só no serviço público. A gente tem que lutar é por igualdade e equidade — reforça Rosa Ester. Outra diferença grande entre os dois governos é em relação à formalização do emprego, que levou a carteira assinada para trabalhadores de ambos os sexos. Há ampla vantagem para os governos petistas.

O Professor Carlos Alberto Ramos diz que seu marco inicial é a adoção do câmbio flutuante e a desvalorização do Real em 1999: — O corte da formalização é nitidamente em janeiro de 1999, com a desvalorização do Real. Não se sabe muito bem por que, mas depois que você adotou a taxa de câmbio flexível, você tem um processo de formalização muito forte, que se junta com um aumento do salário mínimo.

 

Petista e tucano não chegam a consenso
Os especialistas em políticas sociais do PT e do PSDB fazem análises diferentes dos avanços obtidos de parte a parte nas duas últimas décadas. Professor da Unicamp e presidente da Fundação Perseu Abramo, que é ligada ao PT, o economista Márcio Pochmann avalia, por exemplo, que o aumento no consumo de bens como geladeira, televisão e máquina, ocorrido nas duas décadas, ainda que em níveis distintos, tem razões diferentes: — Nos anos 90, a modernização se deu pela abertura comercial, que fez com que tivéssemos a entrada de muitos produtos importados baratos, associados à estabilização monetária. Não houve necessariamente o efeito renda. Tivemos um déficit comercial violento a partir de 1996. Na década de 2000, o efeito se deu mais por emprego, renda e crédito. E por ter sido o efeito emprego renda o impacto na desigualdade, e na pobreza foi maior.

Ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) durante o governo Lula, Pochmann considera que o posicionamento do governo do PT em relação ao salário mínimo e às leis trabalhistas foi decisivo para obter o avanço na renda e na formalização do emprego: — Embora os empregos fossem de menor remuneração, ela subiu por causa do aumento do salário mínimo. Teve também um fato diferente que foi o ativismo sindical.

O resultado dos acordos coletivos na década de 1990 foi pior, enquanto no governo Lula os salários subiram acima da inflação. Nos anos 1990, a lógica nas relações de trabalho era de flexibilização, havia uma quantidade enorme de empregos terceirizados e a perspectiva de mudar a CLT, o que levou a um crescimento da informalidade. A partir de 2003, a perspectiva foi de aumentar a fiscalização e houve intenção clara do governo de que a CLT não seria alterada e que os contratos deveriam ser feitos com base na CLT.

‘NÚCLEO DURO DA EXCLUSÃO’
O Professor afirma também que os méritos nos avanços educacionais não são exclusivos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: — Acredito que a responsabilidade maior tenha sido da Constituição de 1988, que estabeleceu as condições concretas para que o Brasil pudesse buscar a universalidade ao menos no Ensino fundamental. No governo Lula, está praticamente atendida — afirma, fazendo raciocínio semelhante em relação ao avanço nos serviços: — É preciso analisar com detalhe, mas na medida em que vai atendendo a todos, o que falta é o núcleo duro da exclusão. Possivelmente é mais fácil avançar o saneamento em cidades médias e grandes do que em municípios mais distantes.

Coordenador de políticas sociais do Instituto Teotônio Vilela, ligado ao PSDB, o deputado Eduardo Barbosa (MG) ressalta a importância de se demonstrar que os avanços em boa parte dos setores teve início ainda na década de 1990: — O que a gente precisa desmistificar é a ideia de que o Brasil começou a partir do governo Lula. Isso é mentira. Os números mostram uma consequência de resultados que começaram lá atrás e que possibilitaram um planejamento de políticas públicas universais, na Educação e na Saúde, que trouxeram impacto na vida das pessoas.

Na avaliação do tucano, embora os indicadores de desigualdade tenham caído nos últimos anos, é preciso se criar uma nova visão sobre o que é a pobreza. E destaca a importância dos serviços básicos de saneamento e abastecimento de água, que evoluíram na gestão tucana, para melhorar as condições de vida dos mais pobres: — Temos de ampliar o conceito de pobreza. Não podemos dar uma falsa impressão para a sociedade e para a população que precisa da política de transferência de renda. A situação de pobreza não pode estar centrada no foco de renda per capita. Esse conceito depende de políticas estruturantes, como saneamento.

ESTABILIZAÇÃO DA MOEDA
Assim como Pochmann, no entanto, Barbosa considera que os avanços obtidos nos governos do PT em relação à redução do desemprego não podem ser creditados apenas aos méritos do ex presidente Lula, mas sim à estabilização da moeda no governo Fernando Henrique: — A questão da estabilidade econômica possibilitou a empregabilidade com ascendência. É consequência, ninguém gera emprego da noite para o dia. Os dados mostram que não foram muitas vezes os investimentos públicos que geraram esse emprego.