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SÃO PAULO – Até então fora das avaliações do MEC, o ensino de ciências na educação básica começa este ano a ser avaliado oficialmente. Para especialistas, a inclusão da disciplina nos testes oficiais pode contribuir para melhorar a qualidade do ensino na área.

A avaliação começará de forma experimental. Na semana passada e nesta, cerca de 84,7 mil alunos do 9º ano do Ensino Fundamental e do 3º ano do Ensino Médio estão fazendo o exame de Ciências na Prova Brasil e na Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb). Até o ano passado, esses dois exames federais continham apenas questões de Matemática e Leitura.

Os resultados ainda não vão compor o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), como acontece com as notas de Leitura e Matemática. Só 1,7% dos 4,9 milhões de alunos que participarão da Prova Brasil e da Aneb (que começaram a ser aplicadas no dia 11 e seguem até o próximo dia 21) farão provas de Ciências. A Prova Brasil é aplicada a alunos de escolas públicas e a Aneb a alunos das redes pública e privada.

Nas 52 questões das provas de Ciências do MEC, podem cair temas como Terra e Universo; Vida e Ambiente; Ser humano e Saúde; Constituição, Propriedades e Transformações de Materiais; Conservação e Transformação de Energia, além dos tópicos ligados às Ciências Humanas, como Direitos Humanos, Poder e Estado, Cidadania e Movimentos Sociais, Produção e Trabalho e Comunicação e Tecnologia.

A ideia, segundo o Inep, órgão do Ministério da Educação, é verificar as habilidades e competências dos alunos brasileiros. Neste primeiro ano, os resultados servirão para avaliar as matrizes de referência da prova (que tratam do conteúdo cobrado), e iniciar o diálogo com as escolas sobre Ciências na Educação Básica.

— Vamos fazer uma discussão e ver em que situação estamos na Ciência. Vamos checar em que precisamos avançar e onde precisamos fazer um esforço — disse o presidente do INEP, Luiz Cláudio Costa.

De acordo com o INEP, desde julho as escolas foram comunicadas das matrizes, por meio do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), que participaram de reuniões para debater o conteúdo exigido na prova.

Mas, segundo o presidente do INEP, o governo já estuda a possibilidade de cobrar conteúdos de Ciências novamente em 2015.

Especialistas aplaudem a inclusão de Ciências nos exames, mas esperam que a novidade sirva para chamar a atenção para o ensino das disciplinas dessa área nas escolas.

— O ensino de Ciências é pouco valorizado nas escolas. Nos primeiros anos do Ensino Fundamental há uma atenção exacerbada aos cuidados com saúde e higiene, mas Ciências não é só isso. Há conceitos de Química, Física e Biologia que ajudam na vida do aluno. E muitas vezes se ensina o conteúdo, mas não se ensina como realizar uma investigação científica — afirmou Lúcia Helena Sasseron, professora de metodologia do Ensino de Ciências da Faculdade de Pedagogia da USP.

Para Lúcia, o déficit de professores de Ciências no Brasil pode impactar o resultado dos exames. O presidente do INEP, Luiz Cláudio Costa, pondera que outros países sofrem do mesmo problema.

— Na OCDE, 65% dos países que participam do PISA apontam deficiência de professores qualificados em ciências. A Finlândia e a Coreia têm deficiência de 30% apesar de todo o esforço. Não é um problema só nosso — disse Costa.

Na opinião de Russel Teresinha Dutra da Rosa, professora de Formação de Professores de Ciências Biológicas da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), muitas vezes o professor sabe pouco sobre a disciplina que tem que ensinar aos alunos.

— Os professores que lecionam para os anos iniciais do Ensino Fundamental muitas vezes só concluíram o Ensino Médio, e a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) diz que eles devem ser formados em Licenciatura em Pedagogia. Mas mesmo numa boa faculdade a carga horária de Ciências é pequena. O próprio professor vai ter que aprender Ciências com os alunos – disse Russel.

Segundo a professora de Metodologia de Ensino de Geografia da USP Sonia Castellar, há estados que priorizam o ensino de Português e Matemática até o 3º ano do Ensino Fundamental, deixando Ciências de lado.

— Em alguns casos, os alunos ficam só lendo textos de português e fazendo contas. E não sabem quais são as estações do ano. Fica uma cultura de que só Português e Matemática são necessários. É preciso mudar a mentalidade de que as outras disciplinas não são úteis. Como é que você manda um aluno para o exterior, como é o caso do programa Ciências Sem Fronteiras, se ele não tem, na escola, uma base sólida no campo das Ciências? — questionou Sonia.

Conteúdos de Ciências já são cobrados no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), exame coordenado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e aplicado a jovens em vários países. A nota do Brasil nas provas de Ciências do PISA aumentou de 2000 (quando foi de 375) a 2009 (quando foi de 405).

O professor de metodologia do ensino de Ciências Biológicas da Faculdade de Educação da USP Nélio Bizzo lembra que, até 1999, Ciências, História e Geografia faziam parte das avaliações do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) do MEC. Mas depois, segundo ele por questões políticas, deixaram de fazer. Na opinião dele, no entanto, o exame de Ciências não pode ser base para mudar o currículo escolar.

— Os exames têm que monitorar o que as escolas fazem e não dizer o que as escolas têm que fazer. Tem que haver um currículo, definido de forma democrática. Uma avaliação é um termômetro. O termômetro não evita a doença. Ele evidencia o problema, não é o remédio — disse Bizzo.

O presidente do INEP não acredita que a avaliação de Ciências vá influenciar no currículo da área, porque isso já não acontece nas escolas com Matemática e Português, que, segundo ele, não preparam os alunos especificamente para as provas.

— O que se percebe é que a rede não busca fazer um treinamento para o exame — afirmou Luiz Cláudio Costa.

Para Bizzo, as notas do Brasil no Pisa têm que ser vistas com cuidado.

— O exame é mal aplicado no Brasil, há uma fragilidade logística grande. O PISA é mandado em envelope por correio para as escolas e elas mandam ele de volta pelos Correios. É preciso levar em conta a possibilidade de fraude e de desleixo na aplicação. Não há a logística que há no Enem, por exemplo — disse Bizzo.

Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, elogia a inclusão de Ciências na Prova Brasil e na Aneb, mas diz que para avaliar a educação é preciso verificar também outros fatores além do desempenho dos alunos:

— Tem que haver uma avaliação das condições da escola, da remuneração dos professores, das políticas de carreira. É preciso haver uma avaliação mais completa do sistema.