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RIO – Atingida diretamente caso o projeto de lei que recria EMC (Educação Moral e Cívica) e OSPB (Organização Social e Política Brasileira) vingue, a Secretaria municipal de Educação informou que as duas práticas já são abordadas na rede, mas através do tema ética, previsto na Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Em nota, disse que está presente em aulas de História, Geografia e Língua Portuguesa, “assim como em todo convívio escolar”. “Além disso, todos os alunos da rede municipal cantam o Hino Nacional às segundas-feiras, o que incentiva e estimula o interesse pela cidadania”, concluiu.

O projeto de lei, de autoria do vereador e major do Corpo de Bombeiros Márcio Garcia (PR), começou a tramitar na Câmara do Rio no início do mês. A ideia é tornar obrigatório o ensino dessas matérias dentro das aulas de História. As duas disciplinas, criadas em pleno regime militar, foram excluídas da grade curricular das escolas do país há 20 anos. Apesar de rejeitada por especialistas e pela própria prefeitura, Garcia garante que sua iniciativa está tendo boa aceitação na Casa e que, em breve, pode efetivamente se tornar lei.

— A ideia surgiu por demandas de professores da rede pública no gabinete. Comparo com uma arma de fogo: é algo que pode ser usado para o bem ou para o mal. E tenho certeza que nas mãos dos nossos docentes vai ser usada para o bem — defende o vereador.

O projeto é bastante simples, tem apenas 38 palavras e dois artigos. O primeiro diz que as disciplinas devem ser incluídas em história e o segundo, que a lei entra em vigor quando for publicada. Ou seja, se passar, a prefeitura é quem terá de regulamentar de que forma as matérias vão ser aplicadas na prática. O próprio Garcia afirma que o detalhamento deve ficar com os técnicos do assunto. Acontece que a medida em si não parece soar bem aos ouvidos de quem entende do tema. Doutor em Educação, ex-secretário estadual da pasta e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) desde 1984, Arnaldo Niskier diz que não há necessidade de incluir novas obrigatoriedades no currículo atual e que OSPB e EMC são “tipicamente subprodutos do regime militar”:

— As duas matérias foram criadas em 1969, de uma forma abrupta. E como é tradição na vida brasileira, sem nenhum cuidado antecipado de preparar os recursos humanos. Esse tipo de improviso não podia dar certo e não cumpriu as finalidades para que veio. Reviver isso em plena democracia é um déjà vu completo e fadado ao fracasso.

O decreto-lei de 1969 que criou a OSPB e a EMC foi assinado por três ministros: da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar. A Moral e Cívica, pelo texto, se apoiaria nas tradições nacionais para a “defesa do princípio democrático”, mas “através da preservação do espírito religioso, da dignidade da pessoa humana e do amor à liberdade com responsabilidade, sob a inspiração de Deus”. O “culto à pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições e aos grandes vultos de sua História” também estava entre os conceitos básicos da disciplina.

A professora da Universidade Estadual de Londrina Maria José de Rezende, doutora em Sociologia pela USP, que recentemente orientou um trabalho analisando as duas disciplinas no período da ditadura, não acredita que seria possível tirar o forte estigma das matérias. Ela lembra que OSPB era aplicada no atual ensino médio, enquanto Moral e Cívica se concentrava mais no fundamental, mas ambas seguiam uma mesma linha:

— Faziam parte de uma mesma estratégia psicossocial. A Moral e Cívica era usada para deixar bem claro que quem saísse das regras sofreria sanções. A OSPB se voltava mais para a condição econômica, o ufanismo do modo de urbanização e desenvolvimento industrial da época, e preparava para outra disciplina obrigatória nas universidades, a EPB (Estudos de Problemas Brasileiros).

Nas mãos de ‘subversivo’

O curioso é que como EMC e OSPB ainda vigoraram até 1993, anos após o fim da ditadura, as duas disciplinas acabaram parando até nas mãos de potenciais “subversivos”. O deputado estadual do PSOL Marcelo Freixo, professor de História, lembra que lecionou OSPB no início de sua carreira. E inventou sua forma de dar aula.

— A ditadura acabou, e as escolas não sabiam o que fazer. Eu usei aquele espaço para uma aula de conceitos de cidadania, usava muito recortes de jornais. Inverti a máquina repressora — brinca.

Autor do projeto de lei que quer trazer as disciplinas de volta, o vereador Márcio Garcia ganhou projeção quando fez parte de um grupo de bombeiros que se rebelou há quase dois anos em busca de melhores condições de trabalho. Ele conta que em seu processo de exclusão foi considerado pela corporação como indigno do oficialato já que era major. Mas, como foi inocentado pelo Tribunal de Justiça, ele disse que ainda pode se denominar dessa forma. Em seu primeiro mandato, já propôs mais oito projetos, três ligados à sua categoria. Ele quer também que a Via Ápia, na Rocinha, vire Via Amarildo.