Uma viagem de cinco meses que o jovem paulista Caio Dib, de 22 anos, fez neste ano por escolas de várias partes do Brasil vai virar um livro de boa práticas de ensino. Em março, ele trocou o escritório pelas estradas do Brasil no projeto Caindo no Brasil, criado e financiado por ele para mapear experiências inovadoras que têm tido efeitos positivos nos alunos do país. Entre março e agosto, ele passou por 58 cidades de 12 estados e do Distrito Federal. Depois de rodar 17 mil quilômetros pelo país em aviões, ônibus, carros e barcos, Caio agora trabalha para reunir, em um livro, dezenas de práticas que considera úteis para outros educadores e escolas brasileiras.
Viajando sozinho e se hospedando em hotéis, pousadas, albergues ou de favor na casa de desconhecidos, Caio conta que não privilegiou apenas as escolas, e procurou histórias em todas as partes das cidades que visitava, algumas delas sem pesquisa ou agendamento prévio. Formado em jornalismo, ele explicou ao G1 que, além da intenção de trabalhar como disseminador de boas ideias na educação brasileira, a viagem também serviu para preencher uma carência pessoal.
“Eu trabalhava em empresas nacionais e comecei a ficar angustiado. Eu fazia conteúdo sobre o Brasil inteiro, mas não conhecia outras oportunidades. Viajava para marcar ponto turístico e praia bonita, não para olhar a realidade e as pessoas”, disse o jovem jornalista, que usou a própria poupança para custear a viagem, com cerca de R$ 15 mil, ou R$ 100 por dia.
Motivado a fugir dos já conhecidos problemas da educação, ele se concentrou em mapear histórias positivas e bem menos disseminadas, como a de uma comunidade de agricultores no interior do Ceará. Em Pentecoste, a 85 quilômetros de Fortaleza, um professor filho de agricultores criou há 18 anos um sistema de aprendizagem por meio de grupos de estudos que já resultou na aprovação de 500 jovens da comunidade no ensino superior, incluindo Raimundo Nonato Furtado, que decidiu seguir a carreira de professor em Fortaleza e hoje dá aulas na mesma cidade em que cresceu. O sucesso do projeto foi tão grande que ele foi transformado em política pública local.
Outra prática que ele destaca foi registrada em Sobradinho, região do Distrito Federal onde Caio visitou uma escola democrática. Nela, conheceu a história de um menino de nove anos que foi educado segundo vários modelos de ensino, mas nenhum foi capaz de alfabetizá-lo. Ao chegar ao Centro Educacional Natural Integral (Ceni), os professores perguntaram ao garoto o que ele queria ser quando crescer. “Foi a primeira vez que alguém perguntou o que ele queria”, explicou. De acordo com Caio, o aluno disse que gostaria de ser elegante como os dançarinos de tango e, usando palavras e frases relacionadas ao tema da dança, a escola o ensinou a ler e escrever em dois meses.
Também no Distrito Federal, Caio visitou uma escola já famosa pelos seus resultados: o Centro de Ensino Médio Setor Leste, o melhor colégio da rede pública do DF nos resultados da edição de 2011 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Essa e outras experiências foram reunidas em um site que, segundo ele, servem como inspiração e lição sobre a importância do acesso ao ensino de qualidade no país.
Uma dessas pessoas ele conheceu por acaso. Caio conta que Maceió foi uma das cidades às quais ele chegou sem nenhum contato ou cronograma. Ele conheceu Doralice, a Dona Dora, em um hotel. “Ela estava fazendo tapioca. Comecei a conversar com ela, ela tem 54 anos, é bem simples, criou os filhos sozinha e já fez de tudo na vida, foi pedreira, cozinheira de presídio, e quando tinha 10 anos ensinou a mãe analfabeta a escrever o próprio nome.”
Segundo o jornalista, Doralice precisou largar a escola com 14 anos para ajudar em casa, já que tinha nove irmãos. Filha de um marinheiro e de uma dona de casa, ela virou vendedora em uma loja de tecidos. “Ela não acabou o fundamental, parou na sétima série. Depois, com os filhos já crescidos, ela resolveu voltar a estudar, em 2008, com muita dificuldade. Agora, 40 anos depois, ela está acabando o ensino médio no EJA [ensino de jovens a adultos] e está pensando em fazer o Enem para prestar biologia.”
Coleção de histórias positivas
Além de Doralice, Caio conheceu outras mulheres de todas as idades que lhe contaram histórias marcantes, como Monique, de 18 anos, da periferia de Salvador, que foi aprovada na Universidade Federal da Bahia (Ufba), onde estuda humanidades e é a única negra da sala.
Também em Salvador, Caio conheceu Cláudia, coordenadora de uma escola que ele visitou. “Os pais dela não tinham condições de sustentar mais uma filha, então deram a Cláudia para a avó criar. A avó era analfabeta, e com sete anos a Cláudia começou a brincar de aula com ela. A avó aprendeu a ler com aquela menina de sete anos”, conta o jornalista.
A avó, então, tomou gosto pelos estudos até conseguir ler a bíblia na igreja, para acompanhar a missa. Depois desse episódio, Cláudia decidiu ser professora. “Ela virou educadora porque a pessoa que ela mais amava não sabia ler. Na formatura ela até falou isso: ‘a pessoa que mais admiro na vida era uma pessoa analfabeta'”, explicou Caio.
Outra amizade que ele fez bem longe das salas de aula brasileiras foi com Deisy, uma jovem de São Luís, no Maranhão. Enquanto visitava um museu, ele conheceu uma estudante que foi a primeira moradora de sua comunidade, num dos lugares mais pobres da capital maranhense, a se matricular na universidade. “Ela faz história na Ufma, entrou por cotas”, explicou Caio. Deisy deu aulas em uma escola pública, onde sofreu com o descaso e o desrespeito dos alunos, mas, segundo o jornalista, ela usou sua própria realidade para se conectar com os estudantes e “mostrou que, se eles achassem que fossem lixo, iam continuar sendo um lixo, por isso tinham que brigar, seguir em frente e ir atrás [de seus sonhos]”.
A partir do incentivo de Deisy, um de seus alunos mais problemáticos reverteu seu comportamento e hoje cursa biologia na Universidade Estadual do Maranhão (Uema). “Ele mudou quando teve a oportunidade de ser ouvido e valorizado.”
No Rio Grande do Norte, Caio se hospedou em um albergue em Natal, onde conheceu uma estudante de humanidades de pouco mais de 20 anos. Girlane, segundo ele, fez o caminho oposto que a maioria dos jovens hoje em dia. Ela decidiu seguir carreira como professora de escola pública, mesmo tendo outras opções na vida. “Ela resolveu virar professora porque acredita nisso mesmo. Ela está fazendo curso para ser professora, dando aula em escola pública, uma coisa desvalorizada pra caramba.”
De volta à estrada
Depois de tantos meses coletando dados, histórias e exemplos em dezenas de cidades brasileiras, Caio já está de volta às estradas do Brasil, dessa vez para compartilhar os relatos que viu e ouviu para educadores, gestores e especialistas em educação. Segundo o jornalista, um dos motivos para sua agenda estar cheia de palestras é justamente o baixo número de iniciativas de mapeamento de boas práticas em educação.
Caio reconhece que as “mazelas” do ensino brasileiro devem ser denunciadas, mas que “ainda falta muito focar mais nas boas iniciativas” para que os resultados positivos ´de uma rede possam ser replicados em outra.
“Não existe receita de bolo, mas existem premissas báscias. A formação de gestor e do educador é uma dessas premissas básicas, a gente tem que formar essas pessoas que estão na ponta”, defende ele. “Cada escola é uma realidade diferente, mas tem projetos que podem ser aplicados em escolas com alterações.”
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