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Antonio Oliveira começou a trabalhar aos 13 anos fazendo um pouco de tudo para ajudar os pais na sua cidade-natal Colinas, no Maranhão. Foi ajudante de feira, trabalhou em supermercado, vendeu sacolé na rua, trabalhava com os irmãos no campo ajudando os pais a cultivarem grãos e hortaliças. Depois, ia com o pai vender na Ceasa.

 

Cotas: desafio é garantir permanência do novo aluno

 

Antonio estudava em escolas públicas rurais e desde o fim do ensino médio tinha um sonho: ir para uma das grandes universidades federais brasileiras, no Rio, em Brasília ou em São Paulo. Aos 24 anos, Antonio acaba de completar seu primeiro semestre estudando Ciências Econômicas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele entrou na primeira turma da instituição desde que a presidente Dilma Rousseff sancionou, há um ano, a Lei das Cotas.

 

A lei estabelece uma reserva de 50% das vagas em todas as universidades federais brasileiras para alunos de escolas públicas, famílias de baixa renda e ascendência negra ou indígena (o primeiro critério é obrigatório e os demais podem coincidir ou não). A medida, acredita Antonio, ajudará muitos como ele a vencer o ciclo da pobreza.

 

“Quem nasceu no interior, principalmente no Norte e Nordeste, não tem perspectiva de fazer uma faculdade, e ter um emprego melhor”, diz. “Nessas cidadezinhas, as únicas alternativas são ir para o campo ou trabalhar na prefeitura. Antes não havia perspectiva de sair e estudar.”

 

Ação afirmativa
Antonio se inscreveu para o benefício das cotas com base nos critérios racial (ele é mulato) e social. Ele conversou com a BBC Brasil logo antes de fazer uma prova, debruçado sobre um pesado livro de microeconomia no pátio interno do Instituto de Economia da UFRJ, no campus da Praia Vermelha.

 

“Aqui estou, cursando o primeiro semestre, sofrendo a duras penas, tendo que estudar muito. Algumas matérias são bem difíceis, e eu não tive uma base muito boa”, admite. “Mas isso não é desculpa, porque com um esforço maior dá para compensar, e é isso que estou fazendo. Acabo tendo que estudar o dobro, pegar monitoria com os colegas, tudo para ter uma boa educação na universidade.”

 

A chamada “ação afirmativa” começou a ser adotada por universidades no Brasil há dez anos, com o objetivo de aumentar o acesso de jovens de camadas desprivilegiadas ao ensino superior – e, por conseguinte, a melhores empregos, buscando aumentar a mobilidade social.

 

Neste ano se completaram 125 anos desde a abolição da escravatura no Brasil, mas a desigualdade racial ainda é gritante quando se fala em renda e oportunidades na educação.

 

Dados do IBGE mostram que a renda dos negros é em média pouco mais da metade que a de brancos (no ano passado, nas seis principais regiões metropolitanas brasileiras, brancos ganhavam em média R$ 2.237, enquanto negros ou pardos ganhavam R$ 1.255). A população branca tem em média dois anos a mais de ensino que negros e pardos.

 

Impacto significativo
As primeiras instituições a estipularem reservas de vagas eram estaduais e ao longo da década diversas universidades foram adotando modelos diferentes. Os critérios para as cotas eram variados, podendo ser raciais, sociais ou uma combinação de fatores.

 

Com a Lei das Cotas, a política passou a ser obrigatória nas 59 universidades federais do País, que têm até 2016 para alcançar a reserva de metade das vagas para estudantes cotistas.

 

O cientista político João Feres Júnior, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp/Uerj), diz que antes da nova lei 70% das universidades federais já adotavam algum tipo de ação afirmativa. Mas desde a vigência da Lei das Cotas, o número de vagas para cotistas nas federais dobrou, passando de 30 mil para 60 mil.

 

Ele faz a ressalva de que o universo total de vagas nas federais brasileiras também se expandiu, tendo passado de 140 mil para 188 mil do ano passado para cá. Ainda assim, o impacto é significativo – sobretudo para a parcela de estudantes negros, pardos ou indígenas, que mais cresceu proporcionalmente.

 

Feres diz que, antes da lei, muitas universidades adotavam apenas critérios sociais para a reserva de vagas, mas defende a incorporação do critério racial.

 

“Nem toda desigualdade pode ser combatida por programas que adotam apenas a classe social ou da renda como critério. É inegável que ainda há discriminação racial no Brasil. Se a ideia é incluir grupos que estavam excluídos do ensino superior, é apenas sensato incluir ambos os critérios.”

 

Polêmica
Mas as cotas raciais ainda geram polêmica no país e têm muitos opositores na sociedade e na comunidade acadêmica. Antonio Freitas, pró-reitor da Fundação Getúlio Vargas, considera a política das cotas “um passo para trás” para o país. Ele afirma que facilitar o acesso de determinados grupos às universidades nega o princípio do mérito e ameaça a excelência acadêmica.

 

“Isso é ruim para o futuro do Brasil, porque o objetivo das universidades é gerar pesquisa de qualidade”, diz. “Eventualmente, você pode não ter as pessoas mais bem-qualificadas na Engenharia, na Medicina, nas áreas mais desafiadoras que o Brasil precisa desenvolver”, diz.

 Freitas diz que o Brasil nunca teve políticas públicas baseadas em raça e que isso pode gerar uma divisão na sociedade. Ele diz que o país está tentando resolver um problema artificialmente. Em vez de investir na educação básica e dar a todos condições de competir em par de igualdade, está tentando “forçar alunos fracos a entrar nas universidades.”

 Alunos esforçados

Dez anos atrás, a Uerj foi pioneira na adoção de uma política ação afirmativa, com uma reserva de vagas para estudantes negros e pardos. O modelo foi ajustado com o tempo e hoje combina critérios raciais e sociais, e todos os beneficiados chegam de escolas públicas.

 

Com uma década de experiência, o reitor Ricardo Vieiralves considera o modelo um sucesso e diz que, hoje, a Uerj reflete de maneira mais fiel a diversidade da população brasileira. Ele afirma que os estudantes cotistas são os que menos abandonam o curso e se formam mais rapidamente.

 

“No início suas notas são mais baixas, mas eles se igualam aos outros até a segunda metade do curso ou mesmo superam os não-cotistas”, diz. “É uma oportunidade. E o que é mais impressionante é que eles a agarram como uma oportunidade ímpar na vida, e estudam como uns loucos.”