BRASÍLIA E RIO – O Senado está prestes a aprovar a destinação de 75% dos royalties do petróleo para a Educação, proposta que recebeu aval da Câmara dos Deputados, na quarta-feira passada. A garantia de mais recursos para o setor animou educadores numa semana em que dois estudos evidenciaram nosso atraso na área. Um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou que o Brasil é o país com o terceiro menor gasto público por aluno, considerando a soma das instituições de ensino fundamental, médio e técnico, entre 31 nações. Já o Movimento Todos Pela Educação revelou que menos da metade dos estudantes do 3º ano do ensino fundamental tem conhecimento adequado em escrita, matemática e leitura.
Diante da promessa de mais verbas e dos problemas apontados pelos dados divulgados na semana passada (veja os principais indicadores ao lado), o GLOBO pediu a dois dos principais movimentos em prol da Educação no país para estimar o impacto dos novos recursos e sugerir onde eles deveriam ser utilizados.
A diretora-executiva do Todos pela Educação (movimento que estabeleceu metas de qualidade para a Educação até 2022), Priscila Cruz, defende que os recursos adicionais ajudem a aumentar o salário dos professores. Considerando os cálculos da assessoria técnica da ONG, que tomou como base a estimativa de que os recursos do petróleo vão somar, até 2022, R$ 295 bilhões, Priscila avalia ser possível aumentar o salário dos professores da rede básica em R$ 952, desde que o bolo seja dividido só entre os profissionais do sistema público. Se a partilha incluir o sistema privado, o valor cai para R$ 832 mensais. Em 2011, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, a renda média de um professor do ensino fundamental no país era R$ 1.393.
— Defendo que o uso dos recursos tenha esse foco. Sei que não vai ter um efeito imediato na qualidade da Educação, mas, em algum momento da nossa história, a gente tem que tomar essa decisão de melhorar o nível salarial dos professores, pois é o fator que mais impacta na qualidade do ensino — ressalta Priscila, observando que a atratividade da carreira está muito baixa: — Com melhores salários, os alunos da licenciatura não vão mais desistir da profissão, algo que já está acontecendo no Brasil inteiro.
Montante daria para melhorar ensino básico
Já pelas contas da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (articulação de mais de 200 grupos e entidades do setor), que trabalhou com uma estimativa da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados de R$ 196 bilhões do petróleo até 2022, o montante é suficiente para incluir os 3,7 milhões de crianças e adolescentes na faixa de 4 a 17 anos que hoje estão fora da escola. Isso também garantiria o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) para todos os estudantes da educação básica — o índice foi elaborado pela Campanha Nacional para definir o valor básico necessário por aluno para garantir um padrão mínimo de qualidade.
Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional, observa que, além dos 75% dos royalties, os R$ 196 bilhões incluem 50% dos recursos do Fundo Social do Pré-sal, que, se aprovados no Senado, serão repassados para a Educação até o cumprimento da meta de investimento de 10% do PIB no setor. Com este total, diz, será possível construir, ao custo de R$ 67,8 bilhões, os 33.455 estabelecimentos de ensino necessários para garantir escola aos 3,7 milhões de crianças e adolescentes que ainda não estudam e manter o CAQi.
Atualmente, considerando os valores do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), o Estado do Rio, por exemplo, gasta anualmente com o aluno de creche integral algo em torno de R$ 3.228,22. Já o valor do CAQi, levado em conta nos cálculos feitos pela Campanha Nacional e que é comum a todas as unidades da federação, é R$ 8.803,99. No caso do ensino médio, os valores são, respectivamente, R$ 2.979,90 e R$ 3.472,31.
Para efeito de comparação, Daniel avalia que os cálculos do Fundeb são mais adequados, já que os da OCDE — que estimou a despesa por estudante na rede pública no ensino médio em US$ 2.148 (R$ 4.790,04 em valores atuais), quase metade do gasto da Argentina e um quinto do registrado na Espanha, Reino Unido, Suécia e Japão — estariam “muito inflacionados para cima”. Segundo ele, isso se deve ao fato de as contas serem feitas com dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop) do governo federal.
— Como os dados do Siop são declaratórios e, muitas vezes, passados por consultorias contábeis contratadas pelas secretarias de Fazenda, não há muita clareza se, de fato, o que é dito está sendo investido por aluno ao ano. Em termos de financiamento da Educação, mais seguro do que falar dos valores da OCDE é usar os dados do Fundeb.
Embora acredite que os recursos podem ajudar a promover a melhoria da qualidade e aumentar o gasto anual por aluno, Daniel ressalta que eles são insuficientes para promover mudanças em diversos níveis de ensino.
— Ainda vão ficar de fora, por exemplo, a educação de jovens e adultos, o ensino técnico e profissionalizante, a formação de professores, o ensino superior. E não vai dar para elevar o investimento público no setor para 10% do PIB (soma de serviços e bens produzidos no país).
Priscila Cruz, do Todos Pela Educação, diz, porém, que há mudanças que não necessariamente envolvem mais dinheiro, como a do currículo do ensino médio. Mas Daniel Cara observa que, qualquer que seja a mudança, é necessário ter verbas.
— Para operacionalizar a política de Educação é preciso recurso. Para mudar o currículo é necessário investir na formação do professor, e isso requer dinheiro.
O sociólogo Simon Schwartzman considera que ainda é cedo para saber qual montante de recursos do petróleo caberá à Educação.
— Não sabemos sequer quanto realmente vamos ter de petróleo. O que a gente espera é que se use bem o dinheiro para aumentar o tempo integral nas escolas e melhorar o currículo do ensino médio e a formação dos professores.
O diretor assistente para Educação e Habilidades da OCDE Andreas Schleicher diz que o Brasil fez muitos progressos com o aumento sistemático de investimentos entre 2000 e 2010 — o gasto anual com Educação subiu de 3,5% para 5,6% do PIB —, mas afirma que, para dar um salto de qualidade, o país precisará gastar mais:
— Há muito mais que o Brasil pode e deveria fazer para elevar a qualidade do ensino. E isso requer recursos. Mas acho que, se o país mantiver o ritmo de progresso dos últimos anos, vai elevar qualidade, resultados e investimentos. Eu diria que 5,6% do PIB não são suficientes para levar o Brasil ao topo dos sistemas de ensino de alto desempenho. Se o Brasil tem a aspiração de avançar, vai ter que investir mais.
Schleicher observa ainda que o Brasil precisa progredir, particularmente, no setor de creches e pré-escolas. Segundo ele, enquanto a taxa média de atendimento das crianças de 3 anos nos países da OCDE é de 67%, aqui, é de 36%. Na faixa de 4 anos, a diferença também é grande: respectivamente, 84% e 57%.
— O Brasil está muito atrás da tendência global. Fez progresso no sistema de ensino escolar, mas quando se olha para oportunidades de aprendizagem para crianças pequenas, com idade de 3 e 4 anos, é diferente — diz ele, ressaltando a importância deste nível de ensino: — A educação infantil é a base para as crianças, especialmente as de famílias pobres, com baixo capital educacional. Mas essa é uma realidade que mudou muito, eu diria nos últimos dez anos, em países da OCDE. Há dez anos, a Alemanha, o meu país, tinha taxas de atendimento parecidas com as que o Brasil tem hoje.
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