Desde o início de junho, a União Nacional dos Estudantes (UNE) tem uma nova presidente. Militante do movimento estudantil desde os 17 anos, a pernambucana Virgínia Barros foi eleita pela chapa “Bloco da unidade para o Brasil avançar”, com 2.607 votos (69%). Vic, como prefere ser chamada, já é formada em direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e atualmente cursa letras na Universidade de São Paulo (USP).
A jovem de 27 anos, natural de Guaranhuns, foi presidente da União dos Estudantes de Pernambuco e chegou a atuar na diretoria de comunicação da UNE depois de ir para São Paulo. Em entrevista ao Terra, Vic disse que a principal luta de sua gestão será a aprovação dos 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação e reforma universitária, que inclui maior fiscalização das instituições privadas pelo Ministério da Educação (MEC).
Ela aponta ainda que o movimento está satisfeito com os resultados dos dez anos de cotas nas universidades federais e critica o programa de reserva de vagas estudado para as estaduais de São Paulo, que, segundo ela, segrega os estudantes de escolas públicas. Confira, abaixo, os detalhes da entrevista.
Terra – Quais serão as principais pautas da UNE na sua gestão?
Virgínia Barros – Entre as principais mobilizações previstas para os próximos anos está a aprovação dos 10% do PIB para a educação pública. No dia 26 de junho do ano passado, nós ocupamos a sessão da Comissão Especial do Plano Nacional de Educação da Câmara dos Deputados e garantimos, sob forte pressão, a aprovação do projeto. Além disso, o congresso da UNE convocou uma grande jornada de luta dos estudantes para os próximos meses, que vai culminar, no dia 28 de agosto, em uma passeata em Brasília pela aprovação da proposta no Senado.
Terra – Por que o movimento escolheu essa como sua principal luta?
Virgínia Barros – O Brasil investe pouco em educação, e nós queremos mais. Defendemos mais investimento, com mais eficiência e transparência. O País ainda tem mais de 10 milhões de analfabetos e precisa universalizar sua educação, inclusive no ensino superior, porque hoje somente 17% dos jovens de 18 a 24 anos têm acesso à universidade. Isso passa pela valorização do professor, não apenas financeira, mas também no sentido de criar um bom ambiente de trabalho e infraestrutura. Tudo isso exige mais investimento, mais do que os cerca de 5% que o País investe hoje, e achamos que 10% pode significar um salto importante no setor. Não existe projeto de nação sem educação de qualidade, então, se quisermos uma sociedade mais justa, democrática e igualitária, temos que investir na educação.
Terra – Outra questão em pauta na UNE é a reforma universitária. Por que ela é necessária e como o movimento acredita que isso deve ser feito?
Virgínia Barros – No último mês de janeiro, a UNE consultou mais de 3 mil centros acadêmicos pelo Brasil para atualizar sua opinião sobre as universidades. Nessa ocasião, a UNE aprovou o projeto de reforma universitária, que prevê 10% do PIB e as riquezas do petróleo para a educação, mas que também define medidas que garantam a autonomia das universidades e mais investimento e eficiência nas políticas de assistência.
Terra – Como as universidades privadas seriam contempladas nessa reforma?
Virgínia Barros – Está prevista a regulamentação democrática do ensino superior privado, para que haja controle do aumento das mensalidades, que devem vir de critérios razoáveis e não da vontade dos donos. É necessário ter mais qualidade e liberdade de organização estudantil nas organizações privadas. Isso também é importante para que a gente consiga barrar a compra de universidades brasileiras por empresas estrangeiras, que definem o que a juventude brasileira vai aprender. Nós somos totalmente a favor da cooperação internacional, da interação entre universidades de outros países, mas a compra de universidades por empresas e até bancos estrangeiros é nociva à educação e à soberania nacional.
A experiência que nós temos é que, quando as empresas compram instituições de ensino, elas reduzem a qualidade da universidade para aumentar seus lucros. Infelizmente, hoje não temos nenhum mecanismo que permita que o MEC intervenha nessas universidades para garantir a qualidade de ensino. A mobilização da UNE quer pressionar o Congresso a aprovar o marco regulatório das universidades privadas brasileiras, que impeça a compra das universidades brasileiras por capital estrangeiro.
Terra – A UNE critica a entrada de faculdades na Bolsa de Valores. Como isso se encaixa nesse cenário?
Virgínia Barros – Essa é a principal expressão da entrada de capital estrangeiro na educação brasileira. As empresas colocam as ações da universidade em disputa na bolsa, e isso exacerba uma concepção da qual a gente discorda, que é tratar a educação como uma mercadoria. A educação é um direito de todos e um dever do Estado, e é fundamental atribuir a ela um caráter público e de setor estratégico para o desenvolvimento do País. É preciso fortalecer a educação para criar um projeto de nação.
Terra – A UNE apoiou a manifestação dos alunos da medicina na Universidade Vale do Rio Verde (Unincor) por melhorias do curso, fazendo críticas em relação à fiscalização do ensino superior por parte do governo. Como o movimento acredita que essa fiscalização deve ocorrer?
Virgínia Barros – Defendemos que a abertura de novos cursos, sejam públicos ou privados, respeite padrões mínimos de qualidade. É preciso haver garantia de pesquisa, ensino e extensão, um número mínimo de professores com mestrado e doutorado, uma infraestrutura adequada e políticas de assistência estudantil que garantam que o aluno, uma vez dentro da universidade, chegue ao final do curso, sem precisar abandonar a faculdade porque não tem dinheiro para manter seus gastos com educação.
Terra – Você considera que o sistema de reservas de vagas é suficiente para a inclusãonas universidades?
Virgínia Barros – O principal instrumento para a inclusão é a abertura de vagas, o que, do nosso ponto de vista, deve se dar prioritariamente no setor público. Hoje o número de estudantes que quer ingressar na universidade é maior do que a cota de vagas. E, claro, é essencial que a composição da universidade seja diversificada. Por isso, a UNE recebe a lei de reserva de vagas como uma grande vitória do movimento estudantil brasileiro para que a gente consiga popularizar o acesso à universidade e possibilitar que os filhos da classe trabalhadora também tenham oportunidade de cursar uma universidade pública, e, claro, que essa universidade se pinte de todas as cores.
Terra – Dez anos após o início da implantação do sistema de cotas, como o movimento avalia os resultados?
Virgínia Barros – O balanço que nós fazemos disso é extremamente positivo, principalmente porque foram desmistificados vários receios que a população tinha. O principal deles era de que as cotas pudessem rebaixar o nível das universidades, mas os estudantes cotistas têm desempenho semelhante ao dos que ingressaram pelo vestibular tradicional. A lei de reserva de vagas que funciona no âmbito federal é um modelo que nós enxergamos com muito bons olhos. O que a gente precisa é que se some a isso o fortalecimento da assistência estudantil.
Terra – O Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público Paulista (Pimesp), cuja implementação está sendo estudada nas universidades estaduais de São Paulo, também é uma política vista com bons olhos pela UNE?
Virgínia Barros – O Pimesp é um projeto do qual a UNE discorda, porque acreditamos que ele segrega os alunos dentro da universidade, é um retrocesso. Ele submete os estudantes de escolas públicas a dois processos de avaliação para ingresso, enquanto os alunos de instituições privadas passam por apenas um. Isso, do nosso ponto de vista, é segregacionista. Além disso, o projeto foi implementado de cima para baixo pelo governo do Estado e apresentado para a sociedade desconsiderando os diálogos e formulações dos movimentos estudantil e negro sobre políticas para São Paulo.
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