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O mestre em avaliação e gestão educacional Márcio Pereira de Brito, de 31 anos, é o chefe da 13ª Coordenadoria Regional da Educação de Crateús, um braço da Secretaria Estadual de Educação do Ceará que não cuida das 35 escolas estaduais de uma área que compreende 11 municípios do sertão cearense. Embora seja servidor do Estado, o jovem gestor também sabe de tudo o que acontece nas mais de 350 escolas municipais da região.

Munido de informações sobre as características de cada unidade escolar, assiduidade e notas de alunos e resultados de avaliações, ele se reúne regularmente com secretários, técnicos e professores municipais para expor os dados, questionar desempenhos e refletir sobre os rumos do ensino nas cidades.

“Apresento os resultados sem filtros nem ranqueamentos e deixo que os gestores vejam o seu desempenho e o de seus pares. Minha ideia é criar um clima de corresponsabilização pela realidade da educação local”, conta Brito. Trabalho parecido é feito em outras 20 coordenadorias regionais, que cobrem todo o Estado e dão corpo ao Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic), política pública que colocou o Ceará em evidência no campo educacional brasileiro. É um misto de projeto de gestão administrativa e pedagógica, centrado num regime de colaboração entre governo estadual e prefeituras, o que é previsto na Constituição, mas seguido timidamente no país.

No pacto assinado por todas as 184 cidades cearenses, o objetivo é garantir que o estudante da rede municipal esteja alfabetizado no 2º ano do ensino fundamental, aos sete anos. Na prática, o governo estadual, que dispõe de recursos e técnicos capacitados, indica como os municípios – a maioria deles pobres e com estrutura limitada para desenvolver ações consistentes – devem conduzir suas políticas.

Além das unidades de apoio nas 20 regiões do Ceará, na sede da Secretaria Estadual de Educação, em Fortaleza, foi criado um departamento com 70 técnicos para tratar exclusivamente do ensino municipal, a Coordenadoria de Cooperação com os Municípios (Copem). Por determinação desse QG estadual, os municípios adotaram a cultura de acompanhamento e monitoramento de indicadores por escola, foram estimulados a estabelecer metas de desempenho de alunos e a rever uma porção de processos internos.

Dentro do Paic, as secretarias municipais de Educação também se comprometem a aplicar exames diagnósticos e testes sistemáticos para mensurar o aprendizado, o Sistema Permanente de Avaliação da Educação (Spaece) – todo conteúdo desses exercícios é elaborado por universidades contratadas pelo Estado. O governo estadual ainda custeia cursos regulares de gestão para secretários municipais e diretores de escolas e programas de formação de professores focados no currículo escolar sugerido pela secretaria estadual, que ainda compra e fornece gratuitamente aos municípios material didático e dá consultoria técnica para a elaboração de projetos para o fechamento de convênios com o Ministério da Educação (MEC). 

O programa de alfabetização ajudou a reverter o perverso quadro do analfabetismo escolarizado no Ceará. Antes do lançamento do programa, em 2007, diagnósticos da educação no Estado mostravam que mais de 80% das crianças das escolas públicas chegavam à metade do ensino fundamental sem saber ler e escrever adequadamente. Especialistas também atribuem ao Paic o avanço cearense acima da média do Nordeste e do país no Índice Nacional de Desenvolvimento da Educação (Ideb), que mede a qualidade do ensino brasileiro.

Na primeira avaliação sobre os efeitos do Paic, o indicador de proficiência de todos os alunos de 2º ano da rede pública do Ceará mostrou que, em 2007, 48% eram classificados como não alfabetizados ou com alfabetização incompleta e apenas 30% tinham alfabetização desejável. Hoje, os números são outros: menos de 10% dos alunos têm problemas de alfabetização, mais de 60% têm alfabetização desejável e de 20% a 30% estão na faixa de alfabetização intermediária ou suficiente. O governo federal copiou o modelo para o seu próprio programa de alfabetização, o Pnaic, que entrou em vigor neste ano com orçamento de R$ 3,3 bilhões, direcionado principalmente a cursos para professores e compra de livros didáticos.

A titular da área responsável pela cooperação com os municípios da Secretaria de Educação, Lucidalva Pereira Bacelar, explica que o regime de colaboração não interfere na autonomia que cada prefeitura tem para desenhar suas próprias políticas públicas. “O Paic é uma ferramenta de gestão que respeita a independência dos entes federados, todas as ações são executadas em comum acordo. Se um professor não quiser usar as apostilas do programa, ele tem total liberdade para se basear em outras fontes.”

O Paic ainda é complementado por um fator crucial para a vida de um município nordestino: estímulos financeiros. Sozinho, o programa tem um orçamento superior a R$ 60 milhões que, direta ou indiretamente, acaba na ponta da educação nas cidades. O governo estadual também baixou uma lei que aumenta o repasse da cota das prefeituras da receita do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) conforme o desempenho educacional.

Escolas municipais também entram na roda da meritocracia. Conforme outra lei estadual, todos os anos as 300 melhores unidades – de um universo de mais de 7 mil – nos indicadores propostos pelo Estado recebem de R$ 2 mil a R$ 2,5 mil por aluno de 2º e 5º anos do ensino fundamental. As 300 piores são contempladas com R$ 1 mil por aluno dessas séries.

Para Rui Aguiar, especialista da Plataforma Semiárido do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a combinação de assistência técnica, incentivos fiscais e meritocracia são elementos de uma política pública moderna. Já o professor Idevaldo Bodião, ex-secretário municipal de Educação de Fortaleza, é crítico do modelo educacional cearense. “Não é articulação, é adesão. Os municípios, excluídas as exceções, têm pouca margem para melhorar a educação, então se rendem a um projeto de educação excessivamente baseado em testes”, opina.

Valor ouviu mais de uma dezena de gestores municipais cearenses e apurou que a aceitação do Paic é unânime. Também é unânime a cobrança pela extensão do programa aos anos finais do ensino fundamental e pela inclusão de investimentos em infraestrutura.