Preocupado com o perfil dos recursos humanos necessários para suportar as demandas de desenvolvimento do país, o Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE) elaborou o “Estudo sobre mestres e doutores no Brasil”, divulgado no mês passado. O trabalho analisou os principais indicadores referentes aos cursos de mestrado e doutorado do Brasil, no período de 1996 a 2011.
A pesquisa, que explorou o Censo Demográfico 2010, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Ministério da Educação (MEC) e de órgãos internacionais, revelou que o país contava com 517 mil mestres e 188 mil doutores.
“A comparação com o número de doutores titulados nos Estados Unidos, um dos países que mais formam doutores no mundo, mostra que o Brasil formava o correspondente a 3% do titulados naquele país em 1999 e esse número cresceu para 23,5%, dez anos depois. É, portanto, um crescimento significativo, mesmo para os padrões internacionais”, avalia a pesquisadora, reconhecendo que a proporção de mestres e doutores em relação à população como um todo é ainda pequena.
Área de educação é a que emprega mais titulados – Os bônus educacionais brasileiros são elevadíssimos e a análise mostrou que vale muito a pena investir em educação. A remuneração média dos brasileiros eleva-se de maneira marcante quando passam de um nível educacional para o imediatamente superior. Os indivíduos que concluíram o ensino superior têm ganhos financeiros, em média, 170% maiores, em comparação com aqueles que apenas completaram o ensino médio. Os brasileiros cujo nível de instrução mais elevado é o mestrado recebem remuneração média 84% maior do que os que apenas concluíram o curso superior. Os que concluíram o doutorado recebem 35% mais do que os que só fizeram o mestrado.
“O bônus educacional revelado pela menor taxa de desemprego e maior remuneração média, a medida que o indivíduo alcança maiores níveis de titulação, indica que há demanda do mercado de trabalho por profissionais qualificados. O campo da Educação é o que emprega mais mestres e doutores, 43% e 72%, respectivamente. Mas a proporção de doutores é ainda muito maior, indicando a importante inserção dos doutores na Educação para a reprodução e ampliação da base técnico-científica, ou seja, formando mais mestres e doutores”, explica a pesquisadora do CGEE.
A expansão do setor mostrou, também, as áreas do conhecimento com maior presença no meio acadêmico. De acordo com o “Estudo sobre mestres e doutores do Brasil”, os mestres são formados na seguinte escala: humanas (17,1% dos formados), ciências sociais aplicadas (15,5%), saúde (14,7%) e as engenharias (12,8%). Embora tenha sido registrado um aumento da inserção de profissionais com pós-graduação no setor industrial, os números ainda são tímidos. A indústria emprega 4,7% dos mestres no país e 1,3% dos doutores.
“O fato de a área de Engenharia ter diminuído sua participação em relação a 1996 merece atenção (em 1996 as engenharias formavam 15,34% dos mestres do país e, em 2009, esse percentual estava em 12,85). Mas o crescimento da área multidisciplinar mostra uma tendência da busca de múltiplos saberes, em programas que conjugam disciplinas e abordagens de mais de uma área do conhecimento para a formação do mestres (em 1996 a área multidisciplinar formava 1,9% dos mestres e, em 2009, o índice chegou a 8,67%)”, acrescentou Sofia Daher.
Setor privado já responde por 20% dos cursos de pós – Para alguns setores, esse cenário revela carências nas áreas de ciência, tecnologia e inovação, cuja relevância tem crescido na última década, especialmente com as recentes descobertas da indústria do petróleo e do volume de recursos previstos com a exploração do pré-sal. Entretanto, Zaia Brandão, professora titular do Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), chama atenção para a necessidade de haver um equilíbrio no desenvolvimento das linhas de pesquisas, uma vez que as ciências sociais podem ajudar na elaboração de políticas públicas, pertinentes para evitar que o crescimento econômico aprofunde as desigualdades.
“É normal o crescimento maior das humanas, pois elas foram as últimas se desenvolver. As pós-graduações da Física, das Engenharias e das áreas exatas começaram bem antes entre nós. As exigências nas áreas tecnológicas precisam crescer mais, assim como na área da Saúde. Entretanto, quando se pensa em desenvolvimento, o olhar é sempre para as áreas tecnológicas, esquecendo-se que as sociedades estão se tornando cada vez mais desiguais. Mais do que nunca, as ciências humanas e sociais se tornam parceiras importantes para planejar sociedades mais justas e evitar problemas políticos e sociais”, alerta a professora, sugerindo aprimoramento do sistema de avaliação da Capes, com estreitamento do diálogo com a comunidade acadêmica e os alunos das pós-graduações.
Outro dado relevante no estudo é o fato de que as instituições do setor privado já são responsáveis por 20% da formação de mestres no Brasil. Contudo, a maior parte delas investe nas áreas de humanas e ciências sociais, ficando os cursos das áreas de saúde e tecnológica quase que exclusivamente a cargo das instituições públicas, em especial, as universidades federais.
Para Zaia Brandão, o poder público e a sociedade devem acompanhar esse crescimento de perto para evitar que a expansão ocorra sem a qualidade necessária. “Na área da educação, onde me localizo, o crescimento acelerado da pós-graduação, muitas vezes, se deu no setor privado, com problemas”, revela a educadora.
Já Antonio Freitas, diretor de integração acadêmica da Fundação Getúlio Vargas (FGV), reconhece que, devido aos elevados custos de infraestrutura, os cursos das áreas exatas e de saúde concentram-se no setor público. Contudo, o especialista argumenta que incentivos fiscais poderiam estimular investimentos em educação.
“Se houvesse um sistema que permitisse o investimento de parte do imposto de renda das empresas nas Engenharias e nos cursos da área de saúde, a pesquisa nessas áreas poderia crescer. Manter cursos de Engenharia e de Medicina, de boa qualidade, com alunos pagando R$800 ou R$900, não dá. Já houve um tempo em que o valor pago por ações da Embraer podia ser deduzido do imposto de renda. Mecanismos semelhantes poderiam ser feitos no setor educacional. E caberia ao governo fazer a sua parte, que é fiscalizar”, sugere Antonio Freitas.
Educador sugere ampliação do Programa Ciência sem Fronteiras – Segundo o direto
r da FGV, para se equiparar a países organizados e com potencial de desenvolvimento, como a Austrália e o Canadá, por exemplo, o Brasil precisaria formar seis milhões de doutores. “Esse índice de 0,5% da população se refere a pessoas com idade entre 25 e 64 anos. Temos 100 milhões de pessoas nessa faixa etária no Brasil. Para termos uma margem de seis doutores para cada grupo de mil habitantes, índice de países como Canadá e Austrália, precisamos formar seis milhões de doutores. Conseguiremos atingir essa marca em dez anos se quadruplicarmos o quantitativo de pessoas que formamos hoje. E alcançaremos essa meta em 20 anos, se dobrarmos os nossos esforços atuais”, completa o especialista, informando que em países como a Alemanha há 15,4 doutores por mil habitantes e nos EUA esse índice é de 8,4 doutores.
Para elevar a qualificação dos profissionais do país, Antonio Freitas recomenda a ampliação do programa Ciência sem Fronteiras e sugere, também, que o Brasil importe profissionais especializados dos Estados Unidos e de países da Europa.
“Uma das soluções para resolver esse problema é o programa Ciência sem Fronteiras, com custeio público de estudos no exterior, como fez a China. Outra alternativa é contratar profissionais altamente especializados que, em função da crise econômica, estão sem emprego ou subempregados na Europa. Os EUA fazem isso com frequência. A maior parte de seus pesquisadores não nasceram no país, mas, devido aos altos salários, desenvolvem suas pesquisas lá”, informa Antonio Freitas.
O diretor da FGV sugere, ainda, a criação de uma carreira nacional do magistério para as universidades federais a fim de incentivar uma distribuição equânime de doutores pelas diversas regiões do país. Segundo o educador, a carreira seria semelhante à da Polícia Federal: o profissional faria o concurso, seria aprovado e, de acordo com a sua pontuação, seria distribuído para uma universidade federal, em qualquer local do país.
“Os concursos para UFRJ, UFF ou Cefet deveriam acabar. O que haveria seria uma seleção única para o magistério federal, como ocorre com a Polícia Federal, os Correios, as Forças Armadas ou o Banco do Brasil. Desse modo, com certeza, haverá doutores sendo encaminhados para o Amapá. O profissional ficaria lá por uns cinco anos. E, para ser transferido, precisaria ter determinada produção acadêmica, fazer publicações, entre outros itens. Essa seria uma forma de estimular a meritocracia sem aumentar os custos, uma vez que o salário dos professores das universidades federais é o mesmo em todo o país”, conclui Antonio Freitas.
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