Mesmo após polêmicas envolvendo redações com erros de ortografia, o edital prevê nota máxima para textos com desvios
Após a polêmica das redações do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que não foram zeradas no ano passado apesar de conterem receitas de miojo e trechos de hinos de clubes de futebol, o edital foi alterado e agora prevê a anulação de textos que fujam do tema proposto. No entanto, em 2013, redações com erros de português podem continuar obtendo nota máxima mesmo com desvios “gramaticais ou de convenções de escrita”, desde que não “caracterizem reincidência”.
A correção é dividida em cinco quesitos, e a redação pode obter a nota máxima caso atenda a todos. No entanto, no primeiro tópico de avaliação, que é o domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa, pode obter a nota máxima o texto que demonstrar domínio da escrita formal, sendo que “desvios gramaticais ou de convenções da escrita serão aceitos somente como excepcionalidade e quando não caracterizem reincidência”, ou seja, desde que não se repitam, diz o edital.
No entanto, para obter essa nota máxima com algum erro, a redação também deverá apresentar um excelente domínio do texto dissertativo argumentativo; conter informações, fatos e opiniões ao tema proposto, defendendo um ponto de vista; articular o texto com diversificação de recursos coesivos; e elaborar uma proposta de intervenção detalhada, relacionada ao tema discutido no texto.
De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), responsável pela aplicação das provas, os corretores são treinados para avaliar os desvios gramaticais, e para obter a nota máxima, o estudante terá que passar pelo crivo de dois corretores, além de não chamar atenção do revisor, que é orientado a avaliar provas que, por exemplo, obtenham nota máxima. “De acordo com o edital, desvios são aceitos como excepcionalidade, o que, em tese (lembre-se que os corretores são os avaliadores) impede que ‘erros’, no plural, sejam tolerados com a nota máxima”, explica a resposta enviada pela assessoria de imprensa do instituto.
Para evitar as “gracinhas” de anos anteriores, o edital determina que serão anuladas as redações que não apresentem estrutura dissertativo-argumentativa, que fujam do tema, que contenham impropérios (xingamentos, etc.) ou que apresentem textos deliberadamente desconectados do tema proposto.
Especialistas divergem das regras do Enem
Em relação a aceitação de erros pontuais, a opinião de especialistas se divide. Enquanto uns defendem que é mais importante um conteúdo consistente, mesmo com erros pontuais, outros defendem que a cobrança não deve ser paternalista.
“Eu prefiro um texto que tenha erro ortográfico, mas que tenha ideia, que tenha argumento, que tenha um sentido, que seja criativo, que tenha processo de autoria do que um texto correto que não tenha erro nenhum, mas que não acrescente nada”, analisa a professora de linguística da Universidade de Brasília (UNB) Ormezinda Ribeiro, justificando que o candidato pode errar pela pressão e tensão de um exame como o Enem. “Ele pode cometer algum erro pela pressão, porque temos diferentes escritas para um mesmo fonema… se não cometeu aquele erro diversas vezes, e aquela palavra não descaracteriza aquela redação, ela não vai ser pior porque tem um erro”, disse a professora.
Já o professor titular de Língua Portuguesa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Claudio Cezar Henriques defende uma postura mais rígida na correção do Enem. “Por ser um exame como este, a avaliação das redações precisa ser justa – não pode ser paternalista nem inconsequente. Um texto impecável, sem nenhum deslize, merece nota 1.000. Um texto com erro, ainda que seja um só, não merece nota máxima”, afirma.
Ormezinda acredita que a análise do que é escrito nas redações deve levar em consideração que tipo de aluno as universidades querem dentro das salas de aula. “Esse aluno que eu quero é o que pensa, que é crítico, ainda que cometa algum erro ortográfico”, afirma. Ela defende que as regras sejam colocadas de forma clara para os estudantes no Manual do Candidato.
Henriques diz que as mudanças que serão aplicadas neste ano estão no caminho certo, mas pondera que ainda existe um caminho longo a ser percorrido. “O Inep está no caminho certo, mas ainda tem muito a percorrer. É preciso mostrar enfaticamente para a sociedade que o domínio da língua padrão, real e contemporânea, praticada com prestígio por escrito é uma conquista e, portanto, um direito dos cidadãos. Na escola, é dever do professor fornecer aos alunos as condições para isso. No Enem isso precisa estar explícito tanto na prova de redação como nas questões de língua portuguesa da prova de linguagens. Não é isso que tem acontecido, pois tem sido mais valorizado o entendimento das variedades linguísticas do que o domínio da língua padrão. Na universidade, com que tipo de linguagem escrita o aluno vai lidar? A língua padrão ou as variantes sociais ou regionais da língua oral?”, questiona.
Corretores
O especialista em Enem do cursinho Henfil, Mateus Prado, diz que o maior problema está nos examinadores, que recebem pouco mais de R$ 2 por prova corrigida, e que acabam dando notas mais altas para evitar discrepância com as notas de outros examinadores, evitando seu afastamento. “Ele era eliminado e parava de receber. Ele recebe lotes de 50 redações, termina um lote e recebe outro, mas se sua nota for muito diferente das notas de outros avaliadores, ele era eliminado”, afirma.
A expectativa do Ministério da Educação, em relação às correções, é de que uma a cada três redações seja encaminhada para um terceiro corretor – antes, o índice era de aproximadamente 21%. Isso ocorrerá quando houver uma discrepância de mais de 100 pontos entre os dois primeiros corretores. No ano passado, a discrepância tinha que ser de mais de 200 pontos para que fosse encaminhado a um terceiro avaliador.
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