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O país tradicionalmente reconhecido como “a pátria de chuteiras” pretende se transformar em uma “pátria educadora”. Mais do que mudar um bordão sobre a identidade nacional, o objetivo expresso pela presidente Dilma Rousseff em pronunciamento oficial — realizado no Dia do Trabalho em rede nacional de rádio e televisão — é trazer a educação para o centro dos debates da sociedade brasileira. 

Após defender aplicação dos royalties do petróleo e dos recursos do pré-sal exclusivamente na educação, a presidente fez um chamamento a toda sociedade, apontando que a educação “não é apenas um dever do estado e um direto do cidadão. É também tarefa da família e responsabilidade de todos, sem exceção”.

Em seu discurso, a presidente informou que 32 mil escolas oferecem educação em tempo integral no país. Citou a abertura de mais de três milhões de vagas no Pronatec; o atendimento a 1,2 milhões de estudantes por meio do Programa Universidade para Todos (ProUni) e a outros 870 mil universitários pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies); também mencionou a concessão de 41 mil bolsas pelo programa Ciência sem Fronteiras e a abertura de mais de um milhão de vagas em universidades federais. A apresentação dos dados educacionais foi encerrada com a citação da lei de cotas que, progressivamente até 2016, garantirá a reserva de 50% de vagas para estudantes das redes públicas nas universidades federais. 

Reitor da Universidade Gama Filho (UGF) e professor emérito da Universidade Federal Fluminense (UFF), José Raymundo Romêo reconhece nos bordões sobre o país momentos históricos distintos. Segundo o docente, o novo “slogan” lançado pela presidente da República revela inclinação para criar uma cultura nacional de valorização da educação. 

“O Brasil já foi chamado de ‘a pátria de chuteiras’. Por isso, considero bastante relevante o ‘slogan’ ‘pátria educadora’. Essa ideia deve ser incorporada por toda sociedade. A melhoria da educação deve ser uma preocupação de todos. Precisamos criar um cultura nacional em torno das questões da educação, que é a viga mestra para um projeto de país promissor”, defende o reitor da UGF.

Ao analisar as ações do Governo Federal, Raymundo Romêo comemora o envio ao Congresso Nacional, efetuado no último dia 2, do projeto de lei sobre a destinação da totalidade dos royalties do petróleo para a educação. “Essa medida pode se tornar a ‘Lei Áurea’ da educação. Os lucros serão abundantes com o petróleo. O setor educacional vai ter um orçamento como nunca teve. Devemos aplaudir com grande entusiasmo essa medida, até mesmo pelo pedido da presidente Dilma para que todos se envolvam com a educação”, acrescenta o professor emérito da UFF.

Entretanto, Raymundo Romêo chama atenção para importância do cálculo do custo efetivo da oferta de educação de qualidade, em todos os níveis e modalidades de ensino. Para o educador, tão importante quanto o volume de recursos é a racionalização de sua aplicação. 

“Vamos ter a Copa do Mundo e as Olimpíadas, eventos com orçamento e com fontes claras de recursos. Com esses dados, foram traçadas ações, como construção e reforma de estádios. Assim precisamos fazer com a educação. Ainda não sabemos quais serão os valores dos royalties do petróleo. Mas devemos calcular qual é o custo da educação. O que temos hoje é o orçamento da educação, mas precisamos definir quais os valores necessários para oferecer educação de qualidade”, acrescenta Raymundo Romêo.

O reitor da UGF sinaliza, ainda, a relevância da mobilização social, não apenas para acompanhar a aplicação dos recursos no setor educacional, mas também para evitar situações frustantes, como a que, segundo ele, ocorreu com a questão ambiental. “Não podemos deixar acontecer com a educação o que aconteceu com o meio ambiente, após a ECO 92. A conferência mobilizou a sociedade e difundiu a conscientização ambiental. Mas muitas propostas de políticas públicas não conseguiram ser concretizadas”, avisa Raymundo Romêo.

Royalties também para Ciência e Inovação
 – Outro educador  que elogia a postura da presidente Dilma Rousseff é o diretor do Centro Regional de Expertise da Universidade das Nações Unidas (UNU) e integrante do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro (CEE/RJ), Paulo Alcantara Gomes. 

Para o docente, o esforço realizado pelo país, nos últimos anos, a fim de aprimorar o sistema educacional é inegável. “As medidas tomadas no sentido de criar um programa de expansão da formação de técnicos, por intermédio do Pronatec, são determinantes para que se diminuam os efeitos do ‘apagão da mão de obra’ como muitos intitulam. Por outro lado, a ampliação das vagas do ProUni e do Fies abre as portas para a inclusão de milhares de jovens, que até então não tinham acesso à universidade. As medidas tomadas pela presidente são, dessa forma, muito importantes”, observa o educador.

Embora os dados revelem um empenho efetivo do governo em buscar soluções para os graves problemas educacionais vividos pelo país, assinala o diretor do Centro Regional de Expertise da Universidade das Nações Unidas (UNU), ainda há um longo caminho a cumprir. Segundo o professor, é necessário modernizar o ensino médio, tornando-o capaz de permitir que os seus egressos possam enfrentar o novo mercado de trabalho.

Outros desafios apontados pelo integrante do CEE/RJ são ampliar a oferta da educação infantil, resolver a crônica falta de professores de Ciências, como os de Física e de Química; assegurar salários compatíveis com a importância da educação para o país, implantar mecanismos adequados de avaliação do desempenho docente, com estímulos para os melhores classificados, entre outras ações.  

No entanto, Paulo Alcantara lembra que o incremento da competitividade não é apenas função da educação. “A tarefa é gigantesca, pois necessitamos realizar em poucos anos o que muitos países fizeram em décadas. A inovação e o empreendedorismo caminham ao lado do conhecimento na construção das nações competitivas. Assim, precisamos fortalecer a articulação entre universidades e empresas, instalar escrit&oacute
;rios de inovação nas universidades, incentivar a criação de incubadoras de empresas de base tecnológica, aumentar o apoio às micro e pequenas empresas que pretendam agregar valor aos seus produtos”, complementa o especialista, destacando a relevância do Programa Ciência sem Fronteiras.

Nesse contexto, o integrante do CEE/RJ defende que os royalties do Petróleo devam ser utilizados majoritariamente, na educação, na ciência, na tecnologia e na inovação. “Precisamos ser prudentes nos gastos, apoiando apenas os programas que tenham consequência clara e positiva sobre o progresso da nação. Isto significa que o apoio deve estar condicionado à existência de programas consistentes, que sejam permanentemente avaliados e redimensionados”, esclarece o educador.  

O caminho para o país se transformar efetivamente em uma “pátria educadora”, replica Paulo Alcantara, é eleger a educação como uma real prioridade nacional. “Já fizemos muito, estamos progredindo, mas ainda há muito a ser realizado. A vontade política e o comprometimento da sociedade serão decisivos para chegar a bom termo nessa difícil missão”, completa o professor.

Agenda da campanha presidencial – De outro modo, o pró-reitor de Planejamento e Desenvolvimento da Universidade Candido Mendes (Ucam), Edson Nunes, percebe na fala de Dilma Rousseff uma nova agenda para a próxima eleição presidencial, a partir da ideia da “pátria educadora”. 

“É um slogan novo, muito bem vindo por sinal. Os números apresentados revelam empenho, claro, mas ainda são insuficientes. É que o desafio é brutal, precisamos de taxas de crescimento e qualidade educacional dignas de metas chinesas, tanto no volume, quanto na qualidade. É uma boa sinalização”, reconhece o docente. 

As recomendações de Edson Nunes para aprimorar a qualidade da educação no país são ampliar oportunidades de financiamento educacional para estudantes de nível superior e implantar uma nova mentalidade com relação às universidades públicas no país. “Precisamos quebrar o mantra institucionalizado de que as universidades federais são públicas e gratuitas. Não são públicas, visto que não dão acesso para todos, nem são gratuitas porque todos os brasileiros pagam pelos estudos da minoria que as frequenta”, comenta o especialista.

No que diz respeito ao aporte dos recursos do petróleo, Edson Nunes adverte que dinheiro novo e qualidade nem sempre vão na mesma direção. “Observem, por exemplo, o que vem acontecendo com os municípios fluminenses enriquecidos com os reais do petróleo. Foi ótimo que a presidente tivesse feito o importante apelo ao Congresso no sentido de destinar os royalties para a educação. Mas a qualidade exige mais do que dinheiro. No entanto, investimento em educação é sempre boa notícia”.

Por fim, o pro-reitor de Planejamento e Desenvolvimento da Ucam aposta no sucesso do novo mote “pátria educadora”, mas sugere que o governo abra debate com a sociedade para demonstrar o que a ideia trará de novo para a educação brasileira. “Gostei do novo bordão. Mas não sei direito o que significa ser uma pátria educadora. Está lançada a conversa, entretanto. Caberia ao governo provocar a discussão do tema, oferecendo-nos algum conteúdo para debate. Por enquanto é um bom slogan, nada mais”, conclui o educador.

Projeto tramita em regime de urgência no Congresso – No último dia 3, chegou ao Congresso Nacional a segunda tentativa de destinar todos os royalties, participações especiais do petróleo e recursos do pré-sal exclusivamente para a educação. O Governo Federal enviou o projeto de lei 5500/2013, que aborda esse tema. 

A primeira tentativa de Dilma Rousseff para reservar os recursos da indústria do Petróleo para educação aconteceu em dezembro de 2012, quando a presidente enviou sob forma de medida provisória (MP 592/12) um texto sobre o assunto. Porém, no dia 23 de abril, a comissão mista do Congresso que analisa a proposta decidiu adiar a votação da MP 592/12, até que o Supremo Tribunal Federal (STF) decida sobre a questão da divisão dos royalties entre os estados.

Como a MP 592/12 perde a validade no próximo dia 12, a solução encontrada pelo Governo Federal foi o envio da projeto de lei 5500/2013. A proposta tramita em regime de urgência, com prazo de votação  de 45 dias para a Câmara dos Deputados e de mais 45 dias para o Senado Federal. Após esse período, o projeto passa a trancar a pauta da Casa em que estiver tramitando, o que significa que nenhuma outra proposta pode ser votada.

Segundo a presidente da República, algumas das aplicações do reforço no orçamento da educação serão na construção de creches, na alfabetização as crianças na idade certa (8 anos) e na ampliação da oferta da educação em turno integral.