São Paulo – O Mapa da Violência 2012, divulgado hoje (29), explicitou numericamente uma realidade que vem sendo relatada por entidades de direitos humanos há anos. Os negros, especialmente os mais jovens, são o alvo preferencial da violência no Brasil. De 2002 a 2010, a taxa entre esse público passou de 69,6 a cada 100 mil para 72. Já entre brancos, a taxa de homicídios na mesma faixa etária e no mesmo período caiu de 40,6 para 28,3 vitimas. No estudo completo, há dados sobre as taxas por regiões, estados e cidades.
O estudo apontou que enquanto o número de brancos assassinados a cada 100 mil pessoas passou de 24,6 em 2002 para 15,5 em 2010, o mesmo índice aumentou de 34,1 para 36 entre negros no mesmo período. O equivalente a uma queda de 25,5% da taxa de homicídios entre pessoas declaradas brancas, contra o aumento de 29,8% entre os afrodescendentes. Os números mostram que em 2010 morreram 132,3% mais negros do que brancos em todo o país.
“Isso não é uma coisa pontual, deste ano, do ano passado, da década passada. O Brasil se constituiu como país com base na opressão da violência da classe dominante a toda a população e à negra em especial”, salienta o integrante do Comitê Contra o Genocídio da Juventude Negra e Periférica de São Paulo e da Uneafro Douglas Belchior. “E essa é só a violência direta. Tem a indireta também. Se fizer o recorte racial em todas as pesquisas para ver quem demora mais para ser atendido nos postos de saúde, quem é mandado embora do trabalho mais depressa, quem ganha os menores salários, os números vão ser parecidos”, ressalta.
Para o sociólogo Julio Jacobo, responsável pelo levantamento feito junto ao Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde, as razões de números tão “intoleráveis” tem a ver com uma “cultura de violência” no Brasil, em que se vê o homicídio como solução para fatos fúteis e a “tolerância institucional” em relação a mortalidade entre os negros. “’São jovens negros. Eles se matam entre eles’… são pensamentos assim que transformam as vítimas em culpados”, explica.
Douglas diz que não acredita haver uma vontade expressa de se matar os negros, mas considera que diante dos números, isso é ainda pior. “Não acredito que haja um comandante em um quartel que diga ‘vamos lá, pessoal, matar preto na rua’. Mas não precisa. É pior que isso. É algo que está naturalizado. Como se fosse normal o jovem negro estendido no chão. É fruto de uma ideologia que vê o sujeito de pele preta como o mais perigoso é naturalmente o culpado ou no mínimo o suspeito.”
Soluções
Douglas lembra que o racismo é uma ideologia que produz ações de preconceito e discriminação e interpreta os números apontados pelo Mapa da Violência como indicativo de que as políticas de combate a ele implementadas ao longo das últimas duas décadas não são eficientes. “Você tem o estatuto racial super maquiado. Tem pouquíssimas políticas de acesso a universidade”, crítica.
Para o ativista, a lei que, de fato, é de reparação histórica e que muda estruturalmente as bases da ideologia do racismo no Brasil é a nº 10.639, que completou 10 anos no início de 2012 e que trata da obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas de nível básico. “A gente sempre achou política de cotas compensatória e importante por um tempo, até que não se precise mais dela. Se a política de cotas fosse implementada corretamente, e não é, teria um impacto imediato. Enquanto o ensino da cultura da África combate o racismo histórico promove um país diferente para o futuro. Mas essa lei caminhou muito menos do que a política de cotas”, acredita.
“Isso é muito poderoso e a gente não percebe. E não há nenhum indício de vontade política para se fazer essa lei sair do papel. Tem um monte de policiais de 20, 25 anos que estavam na escola há 10 anos. Que poderiam ter tido acesso a uma forma de ver o mundo diferente do que têm hoje”, exemplifica.
O estudo, cujo subtítulo é “A Cor dos Homicídios no Brasil”, foi realizado em parceria pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela), a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir) e mede o período de 2002 a 2010.
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