Na contramão de tanto sofrimento, uma infinidade de brasileiros grita e reage com ações em todas as frentes. Muitos falam com propriedade, pois são pais de vítimas que o trânsito levou. No último mês de setembro, com a realização da Semana Nacional do Trânsito, o país se voltou para o tema. A Transitando traz, então, uma série de reportagens para levar você a reforçar essa trincheira pela paz no trânsito.
A população mundial está morrendo mais em acidentes com transporte terrestre, principalmente quando o veículo é motocicleta. No Brasil, em 2010, conforme dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, que compõe os dados do Mapa da Violência 2012 – Acidentes de Trânsito, 40.610 pessoas foram vítimas fatais do trânsito, sendo que 25% delas, por ocorrências com motocicletas. Em nove anos (de 2002 a 2010), a quantidade de óbitos ocasionados por acidentes com motos quase triplicou no país, saltando de 3.744 para 10.143 mortes. Em 2010, os custos com acidentes de trânsito no Brasil chegaram a R$ 190 milhões, segundo o Ministério da Saúde.
“Uma vida vale 13 mil e 500 reais”
No Brasil, o Seguro DPVAT revelou que paga 13 mil e 500 reais por uma vida. O Seguro Privado paga entre 10 e 100 mil reais. Por enquanto, o máximo que uma vida está para valer são 3 milhões de reais. Quantia pedida pela família do ciclista morto num acidente de trânsito no Rio de Janeiro por Thor, filho do milionário Eike Batista.
A Polícia Civil instaurou procedimento investigativo para apurar crime de homicídio culposo, quando não há intenção de matar, e o caso ainda tramita na justiça. Mas, e a dor, o sofrimento, o vazio que nunca será preenchido? Será que isso tem um preço? Talvez, noutra vida.
O constante crescimento da violência no trânsito motivou as Nações Unidas a proclamar a Década de Ação pela segurança no Trânsito 2011/2020. O objetivo é estabilizar e, posteriormente, reduzir as cifras de vítimas previstas, mediante a formulação e implementação de planos nacionais, regionais e mundial. Isso porque números sobre vítimas desta violência e ainda os custos dessa violência para os países são estarrecedores, indicativos de uma real pandemia. Só no ano de 2009, aconteceram perto de 1,3 milhão de mortes por acidentes de trânsito em 178 países do mundo.
Atualmente, esses acidentes já representam um custo global US$ 518 bilhões/ano.
Conforme as Nações Unidas, se nada for feito, deveremos ter 1,9 milhão de mortes no trânsito em 2020 e 2,4 milhões em 2030, em todo o mundo. Entre 20 e 50 milhões sobrevivem com traumatismos e feridas. Os acidentes de trânsito representam a 3ª causa de mortes na faixa de 30-44 anos; a 2ª na faixa de 5-14 e a 1ª na faixa de 15-29 anos de idade.
Evolução contínua e sistemática Até 1997, o SIM registra fortes aumentos no número de mortes no Brasil, principalmente entre 1993 e 1997. A partir do novo Código de Trânsito, promulgado em setembro de 1997, e até o ano 2000, os números caem com o rigor do novo estatuto e as campanhas que foram criadas. Mas a partir de 2000 é possível observar novos e marcados incrementos, da ordem de 4,8% ao ano, fazendo com que os quantitativos retornassem, já em 2005, ao patamar de 1997, para continuar depois crescendo de forma contínua e sistemática.
Já em 2010 o SIM registra perto de 41 mil mortes no trânsito, com tendência crescente. Segundo avaliação do Instituto Sangari, responsável pela elaboração do Mapa da Violência 2012, se continuar com o ritmo de crescimento dos últimos anos, para 2015 as mortes no trânsito deverão ultrapassar o que era, até pouco tempo atrás, o grande vilão da letalidade violenta nacional: os homicídios. Não é que os homicídios tenham caído. Nos últimos anos se mantiveram estáveis, mas num patamar muito elevado: 50 mil vítimas ao ano, o que representa uma taxa em torno dos 26 homicídios para cada 100 mil habitantes. O que está crescendo, de forma muito rápida, são as mortes no trânsito.
Cai número de mortes de pedestres Em 2010, 66,6% das vítimas do trânsito no Brasil foram pedestres, ciclistas e/ou motociclistas. Mas segundo avaliação do Instituto Sangari, as tendências nacionais da última década estão marcando uma evolução extremamente diferencial: significativas quedas na mortalidade de pedestres; manutenção das taxas de ocupantes de automóveis; leves incrementos nas mortes de ciclistas e violentos aumentos na letalidade de motociclistas. No país, as motocicletas transformaram- se no ponto focal do crescimento da mortalidade nas vias públicas.
Motociclista é o grande vilão dos acidentes de trânsito
Independentemente das quedas e do novo código, o período 1996/2010 evidencia preocupantes aumentos no número de óbitos por acidentes de trânsito, especialmente a partir do ano 2000. Conforme o Mapa da Violência 2012, na década 2000/2010, o número de mortes nas vias públicas passou de 28.995 para 40.989, o que representa um incremento de 41,4% em 10 anos. As taxas, considerando o aumento da população, também cresceram 25,8%.
Segundo os registros do SIM, se o número de mortes de pedestres caiu, todas as restantes categorias aumentaram, mas, de forma trágica, destacam-se os motociclistas, cuja mortalidade aumentou 244% nessa última década.
Desta forma, se na década passada eram largamente preponderantes as mortes de pedestres, em 2010, as mortes de motociclistas ultrapassaram as das restantes categorias, representando praticamente 1/3 das mortes no trânsito.
E a tendência é a de continuar crescendo.
A frota de motocicletas cresceu e junto aumentaram os acidentes envolvendo motociclistas Outro dando relevante apontado no Mapa da Violência 2012, diz respeito a relação entre o número de acidentes e tamanho da frota de veículos no País. O estudo destaca que deve-se constatar que o uso maciço da motocicleta é um fenômeno relativamente recente.
Segundo o próprio Denatran, ainda em 1970 era um item de baixa representatividade: num parque total de 2,6 milhões de veículos, só existiam registradas 62.459 motocicletas: 2,4% do parque. No entanto a partir de 2000, esse número chegou a 4 milhões, o que representa 13,6% da frota total do país.
Para 2010, o número pula para 16,5 milhões, representando 25,5% do total nacional de veículos. Além do forte crescimento do número, outro dado que chama atenção é o da mortalidade dos acidentes de motocicleta, quando se relativiza pelo tamanho da frota existente.
Em primeiro lugar, podemos verificar que, entre 1998/2010, a taxa de óbitos dos motociclistas oscilou de um mínimo de 67,8 mortes por cada 100 mil motocicletas em 1998 até um máximo de 101,1, com uma média de 91 óbitos também em cada 100 mil motocicletas registradas. Nessa mesma década, o número de vítimas de automóveis oscilou de um mínimo de 30 em 2009 até um máximo de 41,5 em 1999, com média de 36,8 mortes por cada 100 mil automóveis registrados. Isto é, a mortalidade das motoci
cletas por veículo foi 146,3% maior que a dos automóveis.
Bem mais preocupante ainda, se a frota de motocicletas cresceu 491% no período, as mortes de motociclistas cresceram 610%. Noutras palavras: 491% do incremento da mortalidade devem-se ao aumento drástico da frota de motocicletas.
Mas o restante – 119% (a diferença entre ambas as porcentagens) – só pode ser interpretado como um aumento do risco motocicleta no trânsito. Já com o automóvel aconteceu o processo inverso: a frota aumentou 118% e as vítimas de acidentes com automóvel, 72%. Assim, por motivos diversos, o risco automóvel caiu 46 pontos porcentuais no período.
Projeto Vida no Trânsito busca reduzir dados alarmantes
Como resposta ao apelo da Organização das Nações Unidas, que proclamou o período de 2011-2020 como a Década de Ações pela Segurança Viária”, o Ministério da Saúde criou o Projeto Vida no Trânsito, lançado em 2010 e que conta com a parceria da Organização Mundial da Saúde (OMS), da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e a BloombergPhilanthropies. Dentro do projeto foi eleita uma capital de cada região brasileira, cujos números de acidentes de trânsito são alarmantes, para o reforço das ações de prevenção. São elas: Palmas (TO), Teresina (PI), Belo Horizonte (MG), Campo Grande (MS) e Curitiba (PR). A meta é diminuir em 10% a cada ano o índice de vítimas graves e mortes em acidentes de trânsito. Segundo o Ministério da Saúde, a seleção e a avaliação das capitais que integram o projeto basearam-se em critérios epidemiológicos e estruturais, como a alta prevalência de lesões e óbitos no tráfego urbano; fatores de risco, como o consumo de álcool antes de dirigir; e a precariedade da infraestrutura urbana, a exemplo da falta de faixa de pedestre. Também foram considerados critérios a municipalização do trânsito, a localização regional e o porte do município, entre outros.
Ações no prazo de dois anos As ações do Projeto Vida no Trânsito serão executadas em duas etapas. A primeira já teve início em 2011 e vai até 2012, e entre elas estão a definição dos alvos a serem atingidos, a criação do Plano de Ações e a busca pelas parcerias para a reversão dos índices de vítimas graves e mortes em acidentes. Já a segunda etapa será executada entre 2013 e 2015. Antes disso, as capitais participantes deverão colocar em prática experiências relacionadas ao trânsito de forma que outras cidades brasileiras possam reproduzi-las no dia a dia. No prazo de dois anos será necessário o planejamento e a implementação das ações que reduzam as lesões e mortes provocadas pelo trânsito, além da estruturação de mecanismos de monitoramento e avaliação das atividades e dos resultados alcançados entre os municípios selecionados.
O norteamento de todo o projeto na primeira etapa é dado pelos fatores de risco prioritários estabelecidos pelas cidades. Palmas, capital do Tocantins,por exemplo, diante de sua realidade, escolheu os seguintes fatores como prioridade em suas ações: álcool, velocidade e motociclista. Para cada um desses temas as instituições envolvidas elaborarão os planos que serão executados ao longo dos anos.
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