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Com falta de espaços para denúncias e de políticas públicas que contemplem particularidades, mulheres ainda lutam para ter voz e continuidade nos processos originados pelas denúncias.

Neste mês, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ratificou a decisão de que o estupro e o atentado violento ao pudor (ato sexual sem penetração) são crimes hediondos. Embora não sejam as únicas atingidas, a violência sexual está em terceiro lugar no ranking das agressões sofridas pelas mulheres, de acordo com o Mapa da Violência 2012 , que traz como temática o homicídio de mulheres no Brasil. O documento foi atualizado no mês de setembro com dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e o Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) , ambos do Ministério da Saúde.

De acordo com o Mapa, de 2006 a 2012, período da criação da Lei Maria da Penha , o número de homicídios femininos foi de 20.542, mostrando um decréscimo em 2007, ano seguinte da efetivação da lei, com 3772 casos, mas aumentou progressivamente nos anos seguintes. O Brasil, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), ocupa a 7ª posição no ranking do feminicídio, com 4,4 homicídios para cada 100 mil mulheres.

“Existem dois movimentos. O primeiro é o Estado reconhecer que a violência contra a mulher é um crime a ser combatido, possibilitando assim o encorajamento da mulher a denunciar. O que antes era tratado como problema de dentro de casa hoje ganhou dimensão pública, de saúde e de dignidade humana. O outro é que, de fato, temos um incremento da violência, até mesmo na forma como o Estado reconhece a questão quando negligencia o atendimento, o socorro, quando não implementa a lei”, explica Maria Fernanda, integrante da equipe técnica da Sempreviva Organização Feminista (SOF) e da coordenação nacional da Marcha Mundial de Mulheres (MMM).

Luta por voz e tratamento diferenciado

O artigo 35 da Lei Maria da Penha explicita que a União, o Distrito Federal, os estados e os municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências, centros de atendimento integral e multidisciplinar, casas-abrigo, delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher, programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar, além de centros de educação e de reabilitação para os agressores.

Dados da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR) mostram que menos de 7% dos municípios contam com delegacias especializadas. No total, existem em todo o território nacional apenas 500 delegacias, 270 centros de referência, 52 juizados e 75 casas- abrigo. “Ainda temos poucos serviços especializados. Este é o primeiro grande desafio. A SPM tem colocado como meta ter pelo menos um serviço de atendimento especializado em 10% dos municípios, no mínimo, até 2016, além de aumentar em 30% o número de serviços no país. Queremos fazer com que os prefeitos e os governadores assumam a violência contra mulher como política pública e designem recursos e orçamento para isso”, exemplificou a secretária nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher da SPM- PR, Aparecida Gonçalves.

“Em raríssimos casos a lei tem se implementado em sua totalidade e essa é uma das grandes brigas da MMM. Em São Paulo, por exemplo, não existe juizado especial para o atendimento das mulheres. A lei exige determinados cuidados, mas as mulheres seguem apanhando sem amparo nenhum . O suporte que existe é realizado a partir de casas adaptadas que são fruto da luta do movimento de mulheres. Uma região com três milhões de habitantes conta apenas com uma casa modesta, desconhecida e trabalhando no máximo da sua capacidade”, explica Maria Fernanda.

A representante da Marcha Mundial das Mulheres explica que em regiões mais distantes das grandes capitais, como as do campo e das florestas, a situação da mulher é ainda mais grave. “Um grande exemplo é que as delegacias comuns não abrem nos fins de semana, quando a maior parte dos casos de violência acontece. Outra questão importante é pensar que os índices , ainda que altos, podem não retratar a realidade porque há localidades que sequer têm a presença do Estado para que as mulheres possam se instruir e pedir socorro”, exemplifica.

Para Aparecida, a diferenciação do campo para a cidade se deve, além da falta de estrutura, também pela falta de informação. Apenas 5% das ligações para o 180 (disque-denúncia da violência contra a mulher) declaram que são trabalhadoras do campo. “Se pensarmos na região norte, a mulher muitas vezes tem que viajar cinco dias para fazer uma denúncia. Por isso, no fórum das mulheres do campo e da floresta, que é coordenado pela SPM, uma das grandes discussões que temos feito é que tenhamos unidades móveis de atendimento às mulheres que vão até a localidade, que dê informação e que faça algum atendimento. É nesta perspectiva que temos trabalhado”, explica Aparecida.

Impunidade

Em agosto, mês comemorativo dos seis anos da criação da Lei Maria da Penha, a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR) lançou a campanha ‘Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha – A lei é mais forte’ para efetivar ações apontadas pela legislação. De acordo com Aparecida Gonçalves da SPM, a campanha foi originada para articular órgãos do sistema judiciário. “Pensamos na campanha que tem como foco o sistema judiciário, através dos tribunais de justiça, o juizado, os tribunais de júri, envolvendo o Ministério Público e a defensoria pública. Como foco principal neste público, a ideia é que, para o ano que vem, nós consigamos realizar o julgamento dos assassinos de mulheres no Brasil. A ideia agora é pensar no combate à impunidade em relação à violência da mulher e combate aos assassinos”, explicou Aparecida.

O Mapa da Violência mostra quem são os principais agressores. Na lista estão com 43,3% o parceiro ou ex-parceiro, seguido de cônjuge (relação oficial de casamento) com 27,6% e amigo/conhecido com 15,6%. Na faixa de 20 a 49 anos, o número chega a 65% das agressões cometidas por parceiros ou ex-parceiros.

Para Maria Fernanda, a lei ainda enfrenta a resistência de alguns magistrados. “Aqueles que defendem a Lei Maria da Penha não querem a construção de mais presídios, de mais cadeias nem ver irmãos, pais, tios e maridos vivendo presos.O que é defendido é que a violência não aconteça. O problema é que ainda existe uma sociedade muito desigual e para combater estas desigualdades é preciso utilizar diversos mecanismos, entre eles, a repressão, mas ainda há outros, como a atuação na educação direcionada e o atendimento à saúde adequado.”, analisa.

Casos de violência atendidos pelo SUS

A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar , de acordo com a Lei Maria da Penha, deve ser prestada de forma articulada com a Assistência Social, o Sistema Único de Saúde, o Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando necessário. Como informa o Sinan, dos atendimentos prestados pelo SUS em 2011, 107.572 foram notificados como casos de Violência Doméstica, Sexual e/ou outras violências; destes 65,4% ou 70.285 foram sofridos pelo sexo feminino. “Há inúmeros avanços ainda a conquistar, mas já podemos comemorar vitórias das articulações. Por exemplo, cerca de 90% da população brasileira conhece a lei e mais de 50% reconhece a sua efetividade, no entanto, precisamos dar continuidade aos processos para efetivar a lei e pensar políticas públicas nas esferas estaduais e municipais que tratem do campo da saúde, inclusive.”, acrescentou Aparecida.

Outros números do Mapa da Violência, que teve como fonte o Sinan, merecem destaque: dos mais de 100 mil casos atendidos pelo SUS, 71,8% dos incidentes aconteceram dentro das residências. A violência física ainda é a que prevalece no topo do ranking, com 44,2%, seguida da psicológica, com 20,8%, e da sexual, com 12,2%. “Ainda precisamos de equipes especializadas para este tipo de atendimento. A mulher fica afetada não só fisicamente, mas psicologicamente também. A saúde da mulher tem diversas particularidades, mas estes casos necessitam de equipes multidisciplinares com psicólogos, por exemplo. Isso é o mínimo.”, analisa Maria Fernanda.

Matéria de Viviane Tavare