Os estudiosos já tratam a violência urbana como qualquer outra ameaçadora doença da sociedade moderna. Quando a violência, a exemplo de uma doença, extrapola os parâmetros definidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), passa a ser tratada como epidemia. Na conta da violência, os limites tolerados pela OMS são os seguintes: quando a taxa ultrapassa 10 homicídios por grupo de 100 mil habitantes, o caso é de epidemia.
O “Mapa da Violência 2012 – Crianças e Adolescentes do Brasil”, divulgado nesta quarta (18), faz um recorte da violência no segmento etário entre zero a 19 anos. O estudo do sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz aponta que as taxas de assassinatos registraram crescimento de 346% no Brasil nos últimos 30 anos.
O estudo traz uma constatação preocupante para o Espírito Santo. Mais uma vez, o Estado aparece no topo do ranking nacional de homicídios – os dados pesquisados se referem a 2010. De acordo com os dados, a taxa de homicídios é 33,8 para cada grupo de 100 mil pessoas na faixa etária de zero a 19 anos. Ou seja, a taxa registrada em 2010 (20,6), que colocava o Estado na quinta posição, disparou 13,2 pontos ou 64,2% – marca que põe o Espírito Santo a apenas um ponto do líder Alagoas (34,8).
A cronologia da violência mostra que durante os dois mandatos do governo Paulo Hartung as taxas de homicídios nunca apontaram tendência de queda, como insiste em afirmar o ex-secretário de Segurança Pública e candidato a prefeito de Vila Velha, deputado Rodney Miranda (DEM).
Outra informação alarmante para os capixabas é que a violência não está restrita ao grupo etário de crianças e jovens. A violência no Espírito Santo, até por conta das suas características epidêmicas, afeta todos os segmentos da população. Na tabela geral, o Estado também ocupa a segunda posição na lista nacional dos mais violentos, mais uma vez, atrás de Alagoas. Essa situação perdura há mais de uma década. Sem falar na violência contra as mulheres. Pertence ao Espírito Santo a liderança nacional isolada de homicídios contra mulheres.
Ao contrário dos discursos do atual governo e do anterior, as curvas de homicídios ainda não deram qualquer sinal de queda nos últimos anos, como ocorreu com outros estados na última década. Isso fica muito claro no Mapa da Violência 2012. Enquanto o Espírito Santo pulou de quinto para segundo no intervalo de dez anos, o Rio de Janeiro, por exemplo, que liderava o ranking em 2000, passou a ocupar a décima posição em 2010. São Paulo que estava na frente do Espírito Santo na quarta posição, dez anos depois era o vigésimo sexto, com uma taxa de 5,4 homicídios por 100 mil, ou seja, seis vezes menor que a do Espírito Santo. Uma invejável queda de -76,1%.
O sociólogo Julio Jacobo esclarece que não há nada de “mágico” no extraordinário resultado alcançado pelos paulistas. O que houve foi trabalho. Ele esclarece que São Paulo diagnosticou as causas da violência e desenvolveu programas capazes de dar uma resposta efetiva para o problema.
Os números por si só revelam que o Espírito Santo ainda está longe de seguir a lição de São Paulo. Muito pelo contrário, uma campanha publicitária lançada há poucas semanas pelo governo do Estado faz a ligação direta entre drogas e violência. Uma maneira fácil de explicar para a sociedade os altos índices de homicídios.
Ao simplificar que o narcotráfico é a principal causa da violência, o governo elege a droga como a inimiga imaginária de todos e passa a dividir a responsabilidade com todos os segmentos da sociedade civil. É aquele tipo de responsabilidade que ao mesmo tempo é de todos mas não é de ninguém.
Às vítimas das drogas – geralmente jovens pobres e negros das periferias -, resta ao governo lamentar a escolha infeliz que resultou em mais uma morte. Enquanto isso os jornais publicam que “mais um jovem foi assassinato, provavelmente por estar envolvido com o tráfico de drogas”. Já parte da sociedade prefere festejar do seu jeito: “um a menos”.
Essa estratégia de transferir o problema da violência para as drogas, segundo o sociólogo, é um caminho perigoso. “A população fica com a ideia de que é melhor que se mate mesmo, já que não se gasta dinheiro público com aqueles que já estão mortos”, disse Jacobo.
O estudioso ainda acrescenta que mais de 60% dos casos que redundam em violência entre crianças e jovens têm suas raízes no núcleo familiar e nas redes de relação de vizinhança. E pergunta aos governantes que insistem em fazer a ligação direta droga-violência: “Estariam então todos envolvidos com as drogas?”
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