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Deu no caderno Natal da Tribuna do Norte:

O recém-divulgado “Mapa da Violência 2012″ lança foco sobre os índices de violência contra mulheres no Brasil, e registra um aumento de 230% no número de assassinatos ao longo dos últimos 30 anos. De 1980 a 2010, os homicídios saltaram de 1.353 para 4.465 ao ano, e a última década concentra quase 50% das ocorrências identificadas no estudo elaborado pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela). Em comparação com outros estados do país, o Rio Grande do Norte está na 17ª posição, enquanto Natal ocupa o 11º lugar entre as capitais, com taxas de 4,4 e 6,3 mortes para cada grupo de 100 mil mulheres.

A pesquisa também avaliou índices de 84 países, e o Brasil aparece em 7º lugar – taxa de 4,4 mortes/100 mil mulheres -, logo abaixo de Colômbia, Rússia, Guatemala, Trinidad e Tobago, Belize e El Salvador, este último no topo da lista (ver infográfico).

Além de listar as cidades mais violentas e elencar os Estados com maior índice de ocorrências contra mulheres, o relatório ainda cruza dados do Sistema de Informação de Mortalidade da Secretaria de Vigilância em Saúde, vinculada ao Ministério da Saúde, com registros internacionais e informações provenientes do SUS para criar diversas tabelas onde é possível quantificar e identificar o perfil das agressões, faixa etária da vítima, grau de relação com o agressor e circunstância dos assassinatos. Porém, os números são absolutos e não diferenciam violência doméstica de crimes comuns – informação que poderia contribuir com a atuação das Delegacias de Atendimento à Mulher (Deam).

“É fundamental termos esse detalhamento para traçar melhor nossas estratégias de atuação”, disse a delegada Karen Cristina Lopes, titular da Deam da Ribeira. Responsável pelo atendimento da população das zonas Leste, Oeste e Sul de Natal, a Delegacia registrou, desde janeiro deste ano, 2,6 mil Boletins de Ocorrências, instaurou 510 inquéritos e, atualmente, contabiliza mais de mil processos em andamento. Já na Delegacia da Mulher da zona Norte, a delegada titular Renata Lúcia Cunha Sudário Prado informou que foram lavrados 547 B.O.s e instaurados 172 inquéritos.

As ocorrências, segundo a delegada Karen Lopes, continuam concentradas em bairros da periferia, “mas a Delegacia atende pessoas de todos os níveis sociais. Isso comprova a credibilidade do trabalho desenvolvido”, avaliou. Ela ressalta, porém, a ausência de uma casa abrigo mantida pelo Governo do RN para atender mulheres que se sentem ameaçadas e precisam sair de casa.

Serviço registrou  2 milhões de atendimentos

Desde a entrada em vigor de Lei Maria da Penha, em agosto de 2006, o Disque 180 registrou 2,7 milhões de atendimentos. Desse total, 329,5 mil (14%) eram relatos de violência contra a mulher passível de punição. A maioria (60%) se refere a pedidos de informação. Os dados são da Secretaria de Políticas para as Mulheres, responsável pelo disque-denúncia, divulgados na abertura do Encontro Nacional sobre o Papel das Delegacias no Enfrentamento da Violência contra as Mulheres.

No primeiro semestre deste ano, foram registrados 388,9 mil atendimentos, dos quais 56,6% (47,5 mil) foram relatos de violência física. A violência psicológica aparece em 27,2% (12,9 mil) dos registros no período. Foram 5,7 mil chamadas relacionadas à violência moral (12%), 915 sexual (2%) e 750 patrimonial (1%). Os dados revelam ainda que em 66% dos casos os filhos presenciam as agressões contra as mães.

Os companheiros e cônjuges continuam sendo os principais agressores (70% das denúncias neste ano). Se forem considerados outros tipos de relacionamento afetivo (ex-marido, ex-namorado e ex-companheiro), o percentual sobe para 89%. Os parentes, vizinhos, amigos e desconhecidos aparecem como agressores em 11%.

Das unidades federativas, o Distrito Federal registrou o maior número de denúncias de violência contra a mulher no primeiro semestre do ano – 625 para cada 100 mil mulheres – seguido pelo Pará (515) e pela Bahia (512). Os que menos receberam ligações, no mesmo período, foram Amazonas (93), Santa Catarina (156) e Rondônia (173). Em 2011, os Estados que lideravam o ranking eram Bahia, Sergipe e Pará.

A secretária da Mulher do Distrito Federal, Olgamir Amância Ferreira, justificou a grande quantidade de denúncias ao fato de as mulheres estão perdendo o medo procurando mais o serviço de atendimento. No DF, são recebidas 15 denúncias por dia. “Elas têm acesso à informação e sabem da existência de suporte como casa abrigo, centro de referência e núcleo de atendimento, o que faz com que se sintam mais fortalecidas e empoderadas e denunciem”, disse.

Para a presidenta Dilma Rousseff,  a Lei Maria da Penha é um marco na luta das mulheres brasileiras e um passo importante para reduzir as diferenças entre homens e mulheres. “Hoje a Lei Maria da Penha completa seis anos. É uma data para se reafirmar o compromisso do Brasil com o combate a todas as formas de violência contra a mulher e com o fortalecimento dos instrumentos e ações que visam ao fim da impunidade dos agressores”, disse a presidenta, em mensagem divulgada por ocasião do aniversário da lei.

Segundo Dilma, é preciso aperfeiçoar os mecanismos de responsabilização dos agressores. Para mobilizar a sociedade e os agentes responsáveis pela aplicação da lei, o governo lançou hoje a campanha Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha – A Lei é Mais Forte. “A Lei Maria da Penha, ao tipificar criminalmente a violência doméstica, tornou-se um marco legal em uma luta histórica das mulheres e consolidou um caminho que precisa ser aprofundado, especialmente na responsabilização dos agressores”, diz o texto assinado pela presidenta.

Bate-papo

Karen Cristina Lopes, delegada

O número de homicídios contra mulheres triplicou nas últimas três décadas no Brasil, e nem a Lei Maria da Penha conseguiu frear a violência. Qual a análise que senhora faz desses índices?

Primeiro temos de esclarecer que as estatísticas não identificam quais os motivos desses homicídios, ou seja, os números são absolutos e colocam na mesma lista vítimas de violência doméstica e casos de mulheres que acabaram se envolvendo com a criminalidade. Na última década, por exemplo, registrou-se um aumento considerável de mulheres que assumiram o tráfico de drogas, função antes comandada pelos maridos que estão presos ou foram mortos. Podemos constatar isso facilmente ao verificar o elevado número de detentas.

Isso significa que não há como avaliar os resultados da Lei Maria da Penha?

Exatamente. Não há dados concretos, nível Brasil, para saber se a lei está, ou não, surtindo algum efeito. A partir do detalhamento dessas informações, é que poderemos elaborar um trabalho específico para diminuir esses índices.

A violência contra mulheres continua concentrada na periferia, em bairros considerados de classe mais baixa?

É fato de que há um índice maior de ocorrências nesses bairros mais carentes, mas atendo gente de todos os níveis sociais, inclusive pessoas que achava que não chegariam nunca à Delegacia para fazer uma denúncia por preferirem soluções jurídicas. Fico feliz ao saber que a atuação da Deam tem credibilidade junto à sociedade.

Delegada sugere ações contra violência doméstica

O Mapa da Violência 2012, elaborado pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos, em parceria com a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, analisa apenas dados absolutos e não diferencia violência doméstica de crimes comuns envolvendo mulheres. A falta desse detalhamento impossibilita avaliar com precisão os resultados da Lei Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto de 2006 e que determina maior rigor das punições das agressões contra a mulher quando ocorridas no âmbito doméstico ou familiar.

“É importante termos esses dados para determinar até que ponto a lei está funcionando”, observou Karen Cristina Lopes, há um mês à frente da Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam), que funciona na Ribeira e atende as zonas Leste, Oeste e Sul. Na opinião da delegada titular, as Deam deveriam se concentrar exclusivamente ao atendimento dos casos de violência doméstica. “Isso iria otimizar nosso trabalho e proporcionar melhores resultados, pois deixaríamos de atender ocorrências genéricas como briga de vizinhos e crimes comuns onde há envolvimento de mulheres”.

Karen Lopes destaca como ponto positivo, que marca a passagem dos seis anos da Lei Maria da Penha, a mudança aprovada em fevereiro de 2012 permitindo a continuidade das investigações mesmo se a queixa for retirada pela vítima. “Sabemos da pressão sobre as mulheres, principalmente aquelas que continuam convivendo com os agressores, por isso acredito que esse novo entendimento da lei poderá inibir a reincidência”.

Após conversar com a reportagem da TRIBUNA DO NORTE, a delegada atendeu a uma doméstica de 19 anos, que prestava queixa contra o ex-marido. Separada desde abril deste ano, a mulher (cuja identidade será preservada) disse que durante o tempo em que esteve casada não sofreu agressões. “Fui ameaçada, ele pichou no muro de casa as palavras ‘cobrança e vingança’. Estou vindo aqui na Delegacia pela primeira vez”, lembrou.