Entre principais fatores de vulnerabilidade, estão o envolvimento com o tráfico e a falta de programas de proteção
As ruas do Jangurussu são testemunhas da “matança” de crianças e adolescentes. São, na maioria, meninos pobres, negros, entre 12 e 18 anos, todos assassinatos violentamente. Vidas ceifadas, futuros destruídos. Com este relato, a líder comunitária Joana D´arc da Silva conta a cruel realidade da região, “famosa” pela violência. Entretanto, o cenário parece se repetir em todo o Ceará. O “Mapa da Violência – Crianças e Adolescentes 2012”, produzido pelo sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz e divulgado ontem, aponta que, entre os anos 2000 e 2010, a taxa de homicídios cresceu 206% só em Fortaleza, passando de 13,4% para 41,1%. O mapeamento coloca a Capital em 6º lugar.
Conforme pesquisa, no ano 2000, Fortaleza registrou 116 homicídios e, em 2010, foram 320. A Capital ocupa o sexto lugar no levantamento FOTO: RODRIGO CARVALHO “Toda hora, a gente sabe de um novo caso. Não podemos deixar esses assassinatos só nas estatísticas, como algo comum, natural”, relata a líder e integrante da coordenação da Rede de Articulação do Jangurussu (Reajan).
Em 2000, Fortaleza registrou 116 homicídios. Já em 2010, foram 320, número que representa um aumento de 175% na taxa de letalidade. No começo da década, a Capital ocupava a 21ª colocação em âmbito nacional.
A realidade, porém, não é crítica apenas em Fortaleza. Conforme o estudo, – baseado no Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) – em 2000, foram contabilizados 203 assassinatos de crianças e adolescentes contra 505 em 2010 só no Ceará. Os dados colocam o Estado acima da média do Nordeste, de 114%.
Entre os Estados brasileiros, o Ceará é o 7º colocado. Em âmbito nacional, os assassinatos entre jovens cresceram 375%. O levantamento aponta, ainda, que, atualmente, os homicídios possuem o maior peso dentre os fatores externos que provocam as mortes de jovens no País. Em 2010, esses fatores externos (assassinatos, acidentes, suicídios) representavam 26,5% das mortes – em 1980 eram só 6,7%.
Sobre as mortes, o principal motivo – apresentado pela pesquisa e reforçado pelo poder público – é o envolvimento com as drogas, com tráfico e gangues.
Mas isso, no entanto, virou, segundo Joana D´arc, apenas uma desculpa para não se investigar, virou uma sentença de morte. “Os casos não são investigados pela Polícia. Dizem que isso é o destino de quem usa crack e ponto final. Por que não vão tratar esses meninos, oferecer proteção e políticas públicas?”, questiona. Para ela, na ausência do Estado, crime e morte reinam.
Para o assessor técnico da Secretaria de Justiça do Ceará (Sejus), Thiago de Holanda, toda essa realidade de crescente da letalidade é grave e tem sido vista como um grande desafio. Há, segundo ele, uma perspectiva de urgência e expectativa sob o Programa de Proteção à Crianças Ameaçadas de Morte (PPCAM), que virá, ainda neste semestre, para tentar reduzir esses índices.
A ideia, segundo Holanda, é que o Governo Estadual constitua, logo em breve, um plano que atue em três eixos de ação: conhecimento do fenômeno no Ceará, ações preventivas e também o fortalecimento da repressão. “Falar dessa mortalidade é falar da vida desses jovens, é perceber com que eles estão envolvidos e em que situação de desigualdade vivem. Apesar do que tem sido feito, infelizmente, ainda falta muito para se universalizar esses direitos. Mas há avanços sim”, declara o assessor.
Sobre a não investigação de muitas das mortes de adolescentes vinculados com o tráfico, Holanda confirma a situação, fala que é necessário olhar com bem mais cautela o motivo dos assassinatos. “Nem sempre é só por tráfico. Tem casos de violência policial, disputas por território e rixas de gangues”, confronta.
Para o titular da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) de Fortaleza, Demitri Cruz, a resolução não é simples, é bem complexa. “Estratégia mais eficaz seria trabalhar com a articulação entre repressão e políticas públicas, atuar de modo territorializado”.
OPINIÃO DO ESPECIALISTA
O extermínio contra juventude é bem seletivo
Vivenciamos no Ceará um verdadeiro massacre contra a juventude, especialmente os jovens pobres, negros e moradores da periferia. Mortes justificadas e socialmente legitimadas que garantem a impunidade dos que cometem.
Evidenciam assassinatos de jovens “matáveis” que recebem o estigma, a partir do local de moradia, da acusação de ato infracional e do uso de drogas. Esses ficam na mira dos grupos de extermínio que, no nosso Estado, são grupos que têm se tornado cada vez mais profissionais e se institucionalizado, alcançando uma estrutura eficaz na tarefa de matar.
É necessário ter uma política séria que possa investigar esses assassinatos em massa, a matança programada da juventude. Vários casos denunciados em nosso Estado, assunto alvo de CPIs na Assembleia Legislativa do Ceará e no Congresso Nacional, no entanto, acusados identificados não são responsabilizados e multiplicam-se com certeza da impunidade.
A culpa das mortes não pode ser dos vitimados e familiares. Extermínio é seletivo, pois quem está morrendo são jovens, moradores da periferia. Isso não pode ser tratado como algo do cotidiano, é necessário que se esclareça as verdadeiras razões.
Talita Maciel
Assessora jurídica do Cedeca-CE
IVNA GIRÃO
Comentários