Natal é a capital de Estado que registrou o maior crescimento percentual de homicídios praticados contra crianças e adolescentes no intervalo entre os anos de 2000 e 2010. A variação nesse período é de 837,5% e supera todas as outras capitais dos estados brasileiros.
“O Brasil está conseguindo atingir as Metas do Milênio pela rápida redução nas últimas décadas de suas taxas de mortalidade infantil (crianças menores de um ano) e na infância (crianças menores de cinco anos) pelas diversas ações no campo da saúde, da sanidade pública e de acesso a outros benefícios sociais. Mas o mesmo não acontece na área dos homicídios, que marcadamente avança na contramão dessas tendências”. A análise pertence ao estudo “Mapa da Violência 2012 – Crianças e Adolescentes do Brasil” divulgado ontem. Natal é o exemplo mais concreto do avanço citado: é a capital do país que registrou o maior aumento da taxa de homicídios entre 2000 e 2010.
Crianças fora da escola e com famílias desestruturadas ajudam a formar o cenário de violência crescente visto no Rio Grande do Norte. Essa é a visão do promotor de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias da Infância e Juventude (Caop), Leonardo Nagashima. Em entrevista à TRIBUNA DO NORTE durante a tarde de ontem, o promotor ressaltou que a reinclusão familiar e projetos voltados para criação de vagas e permanência de crianças no ambiente escolar ajudariam a reduzir a quantidade de violência mostrada pelo estudo da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) no Brasil.
Para Nagashima, a divulgação dos resultados da pesquisa é importante para a articulação dos órgãos responsáveis pela estruturação e cobrança de políticas públicas para o setor. “É um dado oficial que irá fortalecer a atuação do Ministério Público, cobrando do Executivo a formulação de políticas públicas”, disse. Ele informou que o MP tem se estruturado, através da ampliação do número de promotores, para fortalecer a atuação. Hoje, cinco promotorias funcionam em Natal e outras duas em Mossoró.
Dentre os expedientes necessários para alteração da realidade violenta está a reivindicação de fortalecimento das unidades policiais. “É preciso que se identifique os autores de crimes praticados contra menores. O que muitas vezes não ocorre”, afirmou Nagashima.
Bate-papo
Marcos Dionísio, Con. Est. de Direitos Humanos
Qual a interpretação que o senhor faz da pesquisa apresentada sobre a quantidade de homicídios contra crianças e adolescentes?
Percebo que as pessoas estão indiferentes aos números, que confirmam um cenário de guerra civil. A leitura que se faz é, muitas vezes, preconceituosa e cômoda. Muitos têm a visão de que o assassinato de jovens envolvidos minimamente com a criminalidade é uma forma de higienização. A sociedade está chancelando a pena de morte. A população precisa voltar a se indignar com esses fatos.
Como alterar essa situação de violência?
Percebo que existe hoje um sentimento de egoísmo por parte dos adultos, que impossibilitam que as crianças gozem da infância como eles gozaram. A geração que está no poder tem sido pouco generosa e acabam por negar à criança a vivência que eles tiveram. As crianças estão sendo tratadas a bala no Brasil.
Qual a relação das drogas com a violência percebida?
Não se pode reduzir todos os problemas ao crack. O crack é um grande problema sim, mas fazer isso é ter uma visão simplista das coisas. Temos uma baixa capacidade de esclarecimento de crimes e temos que discutir a segurança e as políticas públicas que queremos. A presença da polícia tem um papel limitado. Uma das atuações mais eficazes que percebo aqui em Natal, ocorre em Felipe Camarão, através da “Conexão Felipe Camarão”, uma intervenção da sociedade civil em um espaço que o Estado ainda é ausente.
Natal lidera aumento de assassinatos de jovens
Dentre as capitais das unidades federativas do país, Natal é a que registrou o maior crescimento percentual de homicídios praticados contra crianças e adolescentes no intervalo entre os anos de 2000 e 2010. De oito casos registrados em 2000, passou-se a 75 mortes/ano uma década depois. A variação representa um aumento de 837,5% e supera todas as outras capitais dos estados brasileiros. O avanço desse tipo de criminalidade fez com que Natal deixasse a penúltima posição para ser a décima colocada em um ranking comparativo com as outras capitais. Quando se leva em consideração a taxa de homicídios contra crianças e adolescentes por 100 mil habitantes, o aumento é ainda mais significativo: 967,9% em 10 anos.
As análises pertencem ao estudo “Mapa da Violência 2012 – Crianças e Adolescentes do Brasil”, desenvolvido pelo pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador de estudos sobre a violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) no Brasil. O homicídio, de incidência relativamente limitada na década de 1980 no país, virou o principal causador de mortalidade entre crianças e adolescentes alcançando a taxa de 13,8 óbitos para cada grupo de 100 mil habitantes. Há 30 anos, a taxa era de 3,1.
Em 2010, foram 8.686 crianças assassinadas no país, ou seja, 24 a cada dia daquele ano. Uma das características, classificada como “históricas” pelo estudo, dessa violência homicida, é a elevada vitimização masculina: os homicídios de crianças e adolescentes do sexo feminino representam em torno de 10% do total das vítimas nessa faixa. E não há perspectiva de que haja alteração a curto prazo desse cenário.
ATUAIS
A base de dados da pesquisa tem encerramento no ano de 2010. No entanto, números alcançados pela reportagem da TRIBUNA DO NORTE mostram que em 2011 e até agora em 2012, a realidade não se alterou na capital potiguar. Durante o ano passado, 86 homicídios tiveram menores como vítimas. Até a primeira quinzena de junho de 2012, foram registrados 36 casos.
Além do avanço notável da capital, o estado do Rio Grande do Norte também ganhou posições no ranking dos estados em que mais se assassina jovens até 19 anos. A taxa de homicídios do RN aumentou de 2,6 por 100 mil habitantes para 12,7, passando da 26º posição para a 13º posição em comparação com as demais unidades federativas do país entre
os anos de 2000 e 2010.
PANDEMIA
A pesquisa classifica os números como “pandemia social”. “Se o assassinato de qualquer criança ou adolescente já é inadmissível, que qualificativo merecem muitas de nossas taxas, que superam de longe os níveis epidêmicos para alcançar dimensão de verdadeira pandemia social”. Para isso, a metodologia da pesquisa compara com outros países o índice encontrado no Brasil. “Sua taxa de 13 homicídios para cada 100 mil crianças e adolescentes a leva a ocupar uma 4ª posição entre 92 países do mundo analisados, com índices entre 50 e 150 vezes superiores aos de países como Inglaterra, Portugal, Espanha, Irlanda, Itália, Egito, etc. cujas taxas mal chegam a 0,2 homicídios em 100 mil crianças e adolescentes”.
O Mapa da Violência ressalta que a sociedade em geral tem sido tolerante e tem aceitado o alto nível de violência contra crianças e adolescentes. “Preocupa mais ainda a tolerância e aceitação tanto da opinião pública quanto das instituições precisamente encarregadas de enfrentar esse flagelo. O Brasil convive, tragicamente, com uma espécie de ‘epidemia de indiferença’, quase cumplicidade de grande parcela da sociedade, com uma situação que deveria estar sendo tratada como uma verdadeira calamidade social”.
O documento afirma que “uma determinada dose de violência, que varia de acordo com a época, o grupo social e o local, torna-se aceito e até necessário, inclusive por aquelas pessoas e instituições que teriam a obrigação e responsabilidade de protegê-los”.
ESTUDO
A Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO) é um organismo internacional, inter-governamental, autônomo, fundado em 1957, pelos Estados latino-americanos, a partir de uma proposta da UNESCO. As fontes utilizadas para a realização do estudo foram: o Sistema de Informações de Mortalidade – SIM, com dados de 1980 até 2010 e o Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan, com dados do ano 2011, ambas as fontes do Ministério da Saúde, além do Sistema de Informações Estatísticas da Organização Mundial da Saúde – Whosis para as análises internacionais.
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