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Informações sobre homicídios e outros delitos ainda são privilégio de poucos estados. Sem estatísticas, governos trabalham sem saber onde, como e quando ocorrem os crimes.

Da mais recente edição do Mapa da Violência – estudo que é a referência mais precisa de quantidade e distribuição geográfica de assassinatos no país – emerge um retrato alarmante do Brasil. O documento, apresentado na última semana, dedicou-se em especial aos homicídios de jovens até 19 anos, grupo no qual, em 30 anos, a taxa nacional de homicídios elevou-se em 346%. Em 1980, morreram assassinadas 3,1 crianças e adolescentes em cada 100.000 brasileiros nessa faixa de idade. Essa proporção chega a 2012 com 13,8 casos por 100.000 em 2010. O Brasil é o quarto país onde mais se mata e o 12º onde os jovens mais morrem por acidentes de trânsito.

O Mapa da Violência 2012 – Crianças e Adolescentes do Brasil é feito pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-americanos e pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso-Brasil). A primeira e óbvia conclusão é em relação à exposição dos jovens à criminalidade. A segunda é a de que o Brasil não conseguiria saber quantas são as vítimas de assassinato se dependesse de seu sistema de informações criminais. O levantamento é elaborado a partir de dados de mortes por causas externas colhidos no sistema de Saúde – não na esfera policial ou nas secretarias de segurança dos estados. “O sistema de informações sobre crimes e segurança no Brasil é um caos. Se dependêssemos apenas das secretarias de segurança e do próprio Ministério da Justiça, jamais saberíamos quantas pessoas morrem assassinadas no país. Dessa forma, governantes e policiais começam a trabalhar sem saber sequer o problema que têm na mão”, critica Cláudio Beato, coordenador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da UFMG (Crisp).

Coordenador do Mapa da Violência, o sociólogo Julio Jacobo Waiselfiz, que há 15 anos examina os dados de mortalidade para elaborar os estudos, explica que os dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, são os melhores. “Trabalho com violência, não com um mapa da criminalidade. Por isso, os dados de cada certidão de óbito são os melhores, por não passarem por toda a pré-codificação existente no sistema das delegacias”, diz ele. De fato, se um estudo semelhante fosse feito a partir dos dados do sistema de Justiça, em vez de considerar as informações de saúde, haveria uma distorção brutal. “A certidão de óbito é incontestável. Os dados de segurança, que podem ter interferência do policial ou do prefeito de uma cidade, são o que eles querem publicar, não o que preciso. Há, ainda, as diferenças regionais. Minas Gerais e São Paulo têm estatísticas de crimes. O Piauí não tem”, conta Jacobo.

As interferências que interpretações, metodologias ou interesses podem exercer sobre estatísticas de criminalidade foram tema de um estudo do pesquisador Daniel Cerqueira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) no ano passado. A maior repercussão do estudo, que faz uma crítica severa à má qualidade dos dados disponíveis sobre assassinatos e outros delitos, foi a existência, no Rio de Janeiro, de uma diferença gritante entre os dados de mortes por causas externas e os assassinatos considerados pela polícia e a Secretaria de Segurança. Em resumo, Cerqueira descobriu que, em 2009, além dos 5.064 homicídios registrados, teriam ocorrido outras 3.165 mortes de causas externas que não foram esclarecidas. Isso faria cair por terra a propaganda do estado sobre recorde na redução de homicídios, e elevaria as agressões letais no Rio para 8.229. A Secretaria de Segurança, dias depois do estudo, divulgou que providenciou um ajuste na metodologia para evitar as distorções.

O dano, no entanto, estava feito: segundo o coordenador do Mapa da Violência, entre os pesquisadores da área os dados sobre criminalidade no Rio são vistos como “pouco fidedignos”.

A lei sancionada pela presidente Dilma Rousseff em 4 de julho é uma tentativa de estabelecer um padrão nacional para esses dados. O texto da lei 12.681 de 2012 cria o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e sobre Drogas, o Sinesp. Por enquanto, o texto não passa de um sinal importante, e não há evidências de que uma lei – mais uma – produza efeito. Mas um parágrafo em especial traz uma ponta de esperança: “O integrante que deixar de fornecer ou atualizar seus dados e informações no Sinesp não poderá receber recursos nem celebrar parcerias com a União para financiamento de programas” na área de segurança pública. A redação também tem ênfase no combate ao crack – citado sempre antes das referências às drogas ilícitas. Mas, em geral, a nova lei diz basicamente que estados e município precisam produzir e disponibilizar dados sobre criminalidade – algo que já ocorre há muito tempo com a saúde, por exemplo.

“O DataSus é um retrato do que acontece com saúde nacionalmente. Até hoje não existe isso em segurança. Não há como o governante, a autoridade, entenderem o fenômeno. A capacidade de pensar de forma inteligente é limitada pela inexistência da informação. Não é possível saber se estamos gastando bem ou mal”, compara Cláudio Beato.

O estado de São Paulo é constantemente citado como um exemplo – e uma exceção nacional – de bom uso das estatísticas de criminalidade disponíveis. A virada nesse sentido começou com a operação do Infocrim, o sistema de informações criminais da Secretaria de Segurança do estado. “Em São Paulo, o processo de queda nas taxas de homicídio foi brutal. O estado passa de 42,2 assassinatos para cada 100 mil habitantes, em 2000, para 13,9 em 2010. Uma redução de praticamente 67%. Isso começa em 1997, quando pela primeira vez o Datafolha mostra que a preocupação do paulista é a segurança, não mais questões econômicas”, lembra Jacobo.