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Um ano após o veto da presidente Dilma Rouseff ao kit que seria distribuído nas escolas públicas para discutir a homofobia, a professora do Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Jane Felipe, defende que a estratégia adotada pelas entidades responsáveis pelo material e pelo próprio Ministério da Educação (MEC) foi equivocada. “Não vou entrar no mérito da qualidade dos materiais, mas foi um erro estratégico criar uma proposta para discutir apenas a homofobia, quando existem vários outros preconceitos ligados à sexualidade e ao gênero”, afirma a pesquisadora e pós-doutora em Cultura Visual.

Segundo Jane, a diversidade sexual faz parte de um tema maior, dos direitos humanos. “Seria mais palatável à população se essa discussão estivesse dentro de um âmbito mais geral. Vivemos em uma sociedade que é muito hipócrita, que ao mesmo tempo em que defende os princípios religiosos do respeito e do amor ao próximo, oprime as diferenças”, diz. Ela destaca que se a discussão da homofobia envolvesse outros preconceitos de gênero, como a violência contra as mulheres, haveria menos contestação e o objetivo de reduzir a discriminação seria cumprido.

Para a pesquisadora, as relações de gênero são a base para tratar das representações sexuais. “É a partir dessas relações que se gera o preconceito com a sexualidade. Quando se diz que um menino parece mulher porque gosta de brincar de boneca, já existe uma discriminação porque se pensa que essa criança será gay. Então as questões de gênero são básicas e não podem ser separadas do debate sobre a sexualidade”, afirma.

Coordenadora da Área de Juventude e Políticas Públicas da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, Miriam Abramovay discorda que tenha ocorrido um erro de estratégia na produção dos materiais. Segundo ela, o problema foi político e não técnico, já que o veto da presidente Dilma ocorreu após pressão das bancadas religiosas. “O que aconteceu é que se criou uma celeuma muito grande, que não é técnico, é político, liderado por grupos mais radicais, que não querem que o tema seja tratado em sala de aula”, afirma.

Para Abramovay, que realiza pesquisas sobre a violência nas escolas, os vídeos que integram o kit e que vazaram na internet são apenas uma pequena parte do conteúdo. “O material que integra o projeto Escola sem Homofobia é uma coisa muito mais complexa do que vídeos, já que envolvia uma série de livros e cadernos para a capacitação dos professores”.

Diversidade sexual deve ser discutida desde as séries iniciais
A professora da UFRGS Jane Felipe afirma que a escola deve estar preparada para discutir a diversidade desde a educação infantil. “Recentemente presenciei um fato em uma creche onde a professora reprimiu um menino de apenas um ano e meio porque ele estava brincando com um carrinho de supermercado cor de rosa. Os educadores não estão preparados para lidar com a diversidade sexual e desde muito cedo alimentam o preconceito”, explica.

Miriam Abramovay concorda que a abordagem precisa ser feita desde as séries iniciais. “Essa discussão pode ser feita de forma indireta, mostrando que a escola é um lugar da diversidade, que ninguém é igual a ninguém. Que se o colega se expressa de forma diferente, ele precisa ser respeitado”, afirma. As duas pesquisadoras ainda defendem que para evitar casos de preconceito, os professores precisam estar capacitados.

“A sexualidade e as relações de gênero aparecem em todos os momentos das nossas vidas. Quantas vezes as crianças e os jovens pronunciam coisas preconceituosas ou equivocadas sobre gênero? Os professores precisam estar atentos a isso e corrigir desde cedo. Mas se eles estiverem desinformados e também forem preconceituosos, não vão conseguir abordar o tema de forma correta. O poder público precisa incentivar a formação continuada dos educadores, para que eles possam ser preparados para tratar isso”.

Falar em sexualidade não é função apenas do professor de ciências
Professor do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Pedro Paulo Bicalho afirma que os docentes não se sentem capacitados para lidar com o tema. Segundo ele, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) inclui a diversidade sexual como um tema transversal, que deve ser discutido por toda a escola. “Mas na prática o que vemos acontecer é isso ser trabalhado de maneira muito iniciante por um professor de ciências, tratando a sexualidade como um tema biologizante, com fins reprodutivos”, afirma Bicalho, que coordena o curso de extensão em Diversidade Sexual nas Escolas da UFRJ.

“A sexualidade faz parte da vida do ser humano, não pode ser tratada apenas em uma aula de ciências, não pode ser discutida uma vez por ano em uma palestra”, completa Abramovay. Segundo ela, os professores precisam se interessar mais pelo assunto, procurar pesquisas, informação. Ela também concorda que as secretarias estaduais e o governo federal têm o desafio de capacitar os educadores para o enfrentamento do preconceito. “A homofobia é muito dura, porque mexe com a subjetividade, com o aspecto negativo, de sentir que ser homossexual é errado. Isso traz muita dor e sofrimento para os jovens e precisa ser combatido”, afirma.