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Os vestígios de um trauma vivido há 13 anos em uma escola, em Ceilândia, no Distrito Federal, não conseguiram tirar a professora Edielza Figueiredo, 44, das salas de aula. Entretanto, o episódio de agressão deixou marcas profundas, que são lembradas com clareza até hoje. Grávida de oito meses de seu terceiro filho na época, ela foi vítima de um aluno, supostamente drogado, que jogou uma mesa escolar em sua barriga. “Na hora, mantive a calma e consegui até resolver o problema. Mas quando cheguei em casa, comecei a sentir muito medo. Até contrações eu tive. Senti-me vulnerável, não queria voltar”, relembra.

Histórias como as de Edielza são rotineiras nas escolas da rede pública brasileira. Dados de uma pesquisa da Unesco, de 2006, revelam que 80% dos professores das principais capitais brasileiras enfrentaram, em algum momento, violência no trabalho. Em Minas Gerais, um levantamento feito pelo sindicato da categoria (Sinpro-MG), revelou que a cada três dias um caso de violência é registrado contra docentes em escolas públicas ou privadas do estado. A falta de políticas públicas educacionais formuladas pelo Ministério da Educação (MEC) e secretarias estaduais reforça o cenário assustador, que preocupa bastante sindicatos e especialistas.

Os dados são alarmantes em várias partes do país. A pesquisa Observatório da Violência do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), divulgada no ano passado, mostrou que os casos de agressão a professores nas escolas públicas paulistas têm crescido cerca de 40% por semestre nos últimos três anos. Em Brasília, a média chega a seis casos por semana. Porém, representantes de sindicatos alertam que o número pode ser maior, já que muitos docentes preferem não oficializar as denúncias.

Especialistas ouvidos pelo Estado de Minas afirmam que, na maioria dos casos de agressão, as motivações são corriqueiras. “É uma nota baixa, um professor que chamou atenção e tirou da sala de aula”, analisa a socióloga e coordenadora da área de Juventude e Políticas Públicas da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), Miriam Abramovay.

Com 26 anos de magistério, Edielza conta que já passou por inúmeros episódios de violência nas escolas em que trabalhou. Mesmo apaixonada pela profissão, a professora até chegou a pensar em largá-la. O pedido, inclusive, também foi feito pelo seu filho mais velho, na época com 10 anos. “Ele me falava: ‘mãe, você é muito inteligente, vai fazer outra coisa’”, recorda. Porém, a professora decidiu continuar por acreditar na educação.

Impunidade resulta em mais violência

Atrevido e indisciplinado, o aluno Carlos*, de 16 anos, provocou o professor de sociologia Roberto* ao acender um cigarro de maconha dentro da sala de aula em um colégio público do Recanto das Emas, no Distrito Federal. O menino era conhecido na região por participar de uma quadrilha de traficantes. Depois de confrontar o estudante, o docente foi relatar o caso na delegacia, sendo orientado a pedir transferência de instituição. Quatro meses depois, o professor retornou e foi informado de que o adolescente havia sido assassinado. Ainda assim, Roberto convive com o medo. Recentemente, no Rio de Janeiro, um aluno de 14 anos ameaçou voltar à escola com traficantes depois que a direção chamou seus pais para uma reunião.

Em 2011, a diretora de uma escola pública de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, foi agredida com chutes e ameaçada de morte por um aluno. No mesmo ano, na capital mineira, uma diretora foi ameaçada e teve a cabeça empurrada contra a parede por chamar a atenção de um aluno de 15 anos.

Episódios como esses favorecem a ampliação do debate em torno de punições mais severas aos infratores e presença constante de agentes policiais nas escolas da rede pública. Apesar dos casos cada vez mais frequentes de violência contra professores, a socióloga e coordenadora da área de Juventude e Políticas Públicas da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), Miriam Abramovay, acredita que a tendência de judicializar a educação é ruim. “Falta diálogo nas escolas. Os pais precisam participar mais. Porém, o caminho não é levar para o Judiciário.” O coordenador de Educação da Unesco, Paolo Fontani, concorda. “Sabemos que escolas mais ligadas à comunidade são menos violentas.”

Para o presidente da Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul (Fetems), Roberto Magno Botareli Cesar, é preciso rever o Estatuto da Criança e Adolescente, porque a impunidade acaba resultando em mais agressões. A solução, segundo ele, pode ser o projeto de lei da deputada federal Cida Borghetti (PP-PR), que aguarda designação de relator na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. Caso a proposta seja aprovada, o estudante infrator ficará sujeito à suspensão e, na hipótese de reincidência grave, será encaminhado à autoridade judiciária competente. A iniciativa da parlamentar mudaria o artigo 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) para incluir o respeito aos códigos de ética e de conduta das escolas como responsabilidade e dever da criança e do adolescente.

Na opinião do desembargador e coordenador da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo, Antonio Carlos Malheiros, o projeto não resolve o problema. “Não precisamos de novas leis. Se a lei vigente não é aplicada, é um sinal de displicência. Ou muitas vezes de medo dos professores e diretores da escola de denunciarem. Mas o estatuto é uma das leis mais completas que temos”, justifica.

AMEAÇAS

Muitas vezes, as agressões acabam afastando os docentes da sala de aula. No Rio de Janeiro, o sindicato acompanha de perto o caso de 10 professores que deixaram de lecionar por causa de ameaças sofridas e, hoje, estão de licença médica com diagnósticos de estresse pós-traumático ou síndrome do pânico. A pesquisa do Apeoesp aponta que 70% dos professores paulistas que sofrem de estresse foram vítimas de algum ato violento por parte de alunos.

O quadro também se repete em Brasília. Depois de ser vítima de perseguição por parte de uma gangue em Taguatinga, no ano passado, o professor de educação física Hudson Paiva, 33 anos, tirou seis meses de licença. De volta à ativa, Hudson exibe características típicas de um trauma. “Fico alerta o tempo todo. Se levantarem a voz, logo registro queixa na delegacia”, acrescenta.

*Nomes fictícios para preservar a identidade dos entrevistados