O jovem de hoje quer ser bem-sucedido profissionalmente e ter seus talentos reconhecidos. Mas, segundo pesquisa, o rótulo de individualista começa a cair por terra. Há uma vontade e uma disposição crescente para ajudar o outro e fazer um mundo melhor
Sai o mártir, o revolucionário, o contraventor da moral e dos bons costumes. O jovem de hoje começa a ter uma cara. E não é necessariamente aquela delineada pelo espírito saudosista dos anos 1960 e 1970, que imprimia uma feição majoritariamente egocêntrica à geração que fixou o olhar numa tela de computador e passou a desbravar o mundo de dentro do quarto. Rotulada de início como individualista e consumista, a juventude começa a ver e ser vista também sob outro prisma. A pesquisa “O sonho brasileiro”, realizada pela empresa de pesquisa comportamental BOX 1824 e divulgada em junho, revelou que a geração nascida em rede também quer mudar o mundo — mas quer fazer isso à sua maneira. Ela pensa no outro, mas sem deixar de mirar sua satisfação pessoal.
Segundo o sociólogo Gabriel Milanez, responsável pelo estudo, a empresa queria ser socialmente responsável e resolveu entregar para a sociedade o que sabia fazer melhor: pesquisas. “Reparamos que a primeira geração de brasileiros globalizados, que cresceram conectados, com mais possibilidades de interferir no mundo, estava agora na faixa etária de 18 a 24 anos e, ao mesmo tempo, o Brasil estava em seu melhor momento tanto internamente como externamente. Essa combinação deveria ser interessante, e foi daí que partiu o projeto”, conta. Foram feitas 1.784 entrevistas em 173 cidades para mapear esse jovem que, segundo o sociólogo, nasceu em rede, conectado com os problemas do coletivo e mais propenso ao diálogo do que as gerações passadas.
A faixa etária pesquisada não foi arbitrária. Gabriel afirma que esse grupo é o centro primário de influência na sociedade. As pessoas mais novas aspiram ser como esses jovens, ter o que eles já têm, uma liberdade maior e alguma independência financeira. Ao mesmo tempo, os mais velhos não querem ser como eles, mas se inspiram em quem tem entre 18 a 24 anos. “Eles são como antenas para captar o espírito do tempo. Daqui a 20 anos, quando olharmos para trás, lembraremos do comportamento dos jovens atuais”, explica o sociólogo.
O resultado da pesquisa trouxe algumas surpresas. A maior delas foi a relação dos jovens com a noção de coletivo. “Nos anos 1970, a ideia de sociedade era muito pautada na figura do mártir, que se doava por uma causa e podia até morrer por ela. Hoje, o jovem se preocupa com o coletivo, mas não deixa de pensar em si mesmo. Existe uma interdependência entre o bem-estar individual e o da sociedade”, esclarece o sociólogo. A socióloga e pesquisadora da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais Miriam Abramovay, que estuda a juventude, explica que toda a literatura existente sobre essa geração afirma que ela é individualista e consumista. “O jovem agora quer aparecer, ter destaque na sociedade e ser reconhecido. Quanto mais ele aparece, mais importante é”, garante. Ao mesmo tempo, ela não descarta que os jovens podem se importar com o coletivo de forma diferente das gerações passadas. “Ser jovem é querer mudar o mundo, eles podem querer romper com as regras da sociedade contemporânea, mas de uma forma mais individualista.”
Sonhos? Os possíveis!
O outro eixo da pesquisa revela o que os pesquisadores chamam de sonhos possíveis. O jovem de hoje é pragmático, quer o que é viável e o que pode ser vivenciado como degrau para outras metas. “Na época da ditadura, os ideais eram revolucionários, de grandes mudanças no futuro, tudo ia ser radicalmente diferente depois de uma grande revolução. A juventude atual cresceu em um país sem inflação e sem ditadura, então ele projeta desejos possíveis e sabe que se desejar grandes mudanças pode se frustrar”, conta Gabriel.
O trabalho também exerce grande influência nessa geração. Quando perguntados quais eram seus desejos para o futuro, 55% responderam que sonham com formação profissional e emprego. “O que a gente vê por trás disso, que é diferente dos pais, é que esse jovem está valorizando sim o dinheiro, a carreira, a estabilidade, mas a satisfação pessoal é tão importante quanto. Essa não é uma geração do ou, é a geração do e: ele quer ter estabilidade e fazer o que gosta”, explica o sociólogo Gabriel Milanez. Ele avalia que, graças à essa nova noção, a definição de sucesso também é transformada. Deixa de ser acúmulo de poder e dinheiro e se foca na estabilidade, na satisfação pessoal e na tentativa de ter relevância social pelo trabalho.
A experiência da socióloga Miriam Abramovay em estudos com os jovens mostra ainda que eles acreditam muito mais em si próprios do que os adultos. “Eles querem ter um lugar no mundo do futuro, ter profissão e reconhecimento e acham que vão conseguir. Ao mesmo tempo, são realistas e têm muito medo do desemprego”, lembra.
Por nós todos
— 67% dos jovens brasileiros discordam da afirmação de que só pensa em fazer algo pela sociedade se tiver algum benefício para si próprio
— 74% dos jovens brasileiros afirmam se sentir na obrigação de fazer algo pelo coletivo no dia a dia
— 79% dos jovens brasileiros afirmam que concordariam em usar parte do seu tempo para
ajudar a sociedade
— 76% dos jovens acreditam que o seu bem-estar depende do bem-estar da sociedade onde vive.
— 79% acreditam que família não é apenas um laço de sangue
— 90% dos jovens gostariam de ter uma profissão que ajudasse a sociedade
— 55% dos jovens sonham com formação profissional e emprego
— 77% tem intenção de cursar ensino superior
— 15% sonham em adquirir a casa própria
— 9% sonham ficar ricos ou ter estabilidade financeira
— 92% acreditam que suas ações podem mudar a sociedade
— 63% acreditam que hoje existe uma cultura global, comum ao mundo todo
— 90% acreditam que as transformações da sociedade ocorrem aos poucos
— 92% concordam que a soma de pequenas ações do dia a dia pode mudar a sociedade
Fonte: Pesquisa “O sonho brasileiro”
Juventude que transforma
São considerados pontes 8% dos jovens entre 18 e 24 anos. Nada menos que 2 milhões de pessoas que, além de fazer parte dessa geração preocupada com o coletivo, já se mobilizam para transformar a sociedade. Participam de projetos sociais e transitam entre vários grupos — família, colegas de faculdade e de trabalho, e amigos íntimos. Coletam informações desses grupos, misturam com suas próprias ideias e redistribuem o conteúdo, conectando esferas que normalmente não dialogam. Por isso, receberam a nomenclatura de pontes. São pessoas que entendem que precisam fazer sua parte e já estão fazendo, são otimistas e, por estarem se movimentando pelo coletivo, são reconhecidos como referências de pensamento.
Quem age como ponte…
– Conecta redes, pessoas, grupos, assuntos distintos;
– Transmite ideias e conhecimento de forma transversal (tocando diferentes áreas de conhecimento);
– Atua em projetos múltiplos e independentes;
– Conecta seu trabalho à relevância social;
– Abre canais para se falar sobre preconceitos;
– Busca relevância social pelo trabalho
– Cria diálogo entre comunidades, etnias, classes, disciplinas, instituições;
– Conecta a política da Esplanada dos Ministérios às suas possibilidades de política cotidiana;
– Constrói um novo tipo de participação coletiva.
Extensão para o futuro
A estudante Sinara Gumieri, 21 anos, faz parte dessa nova geração que pensa em um mundo coletivo e já está fazendo sua parte na construção do Brasil. O interesse em atuar para mudar a sociedade surgiu ao entrar na faculdade. “A gente sai do ensino médio meio preso àquela rotina de estudar para o vestibular e, de repente, estamos na universidade. Eu queria participar de algum projeto diferente, ter alguma experiência que eu nunca tive”, lembra. Logo no primeiro semestre do curso de direito, ficou sabendo do projeto de extensão Universitários Vão à Escola (UVE), que atua na educação popular com crianças em Itapoã. Participa há quatro anos. Sinara também já fez parte do projeto Maria da Penha, também de extensão, que atende juridicamente mulheres em situação de violência na Ceilândia. Só saiu por não conseguir conciliar horários com as aulas e a UVE.
Prestes a se formar, a estudante pretende dar rumo à sua carreira, tendo com base um dos pilares da extensão universitária. Quer se tornar uma profissional cidadã. “Independentemente da área, que ainda não escolhi, quero encarar minha carreira como uma trajetória social, uma carreira que tem compromissos e tem papel de me trazer estabilidade, conforto, mas que não pode ser pensada só por essa perspectiva. É importante avaliar para quem e com quem estou trabalhando, com quem estou construindo coisas diferentes, quem é que está ganhando voz nesse processo”, afirma. Sinara também pretende continuar em projetos de trabalho que envolvam diálogo com a comunidade, por acreditar que o senso de coletividade é importante.
Sinara acredita que o jovem de sua geração tem papel um transformador, pois é quem está aberto a reconhecer que o modelo de sociedade não está bom e não se acomoda diante disso. “Ele tem vontade de começar alguma coisa, não pode deixar do jeito que está”, afirma. Para ela, são pessoas que nasceram aprendendo muito rápido, com acesso à tecnologia, comunicação e informação. “Temos a chance de ser muito criativos, de fazer as coisas mais rapidamente e de forma diferente.” A estudante lembra que as redes sociais têm muita influência no jeito de ser dessa geração. Ela afirma que são locais de difusão de informações e, principalmente, plataformas que democratizaram os espaços de fala. “Talvez as
gerações antes das nossas não tivessem esse costume de falar, e hoje vemos uma série de espaços que garantem esse direito. Não garante que alguém te ouça, mas acho importante praticar a fala, o ouvir e a discussão de ideias.”
Quanto ao futuro do país, a estudante é otimista e acredita que o Brasil pode mudar para melhor. “Espero que o Brasil veja que pode ser muito mais do que é, que possa ser mais ousado nas transformações e politicamente mais engajado, com uma visão de política diferente, cotidiana. Não é só votar de quatro em quatro anos, mas sair às ruas, ir atrás do que queremos”, afirma. Na opinião de Sinara, as mudanças na sociedade não devem vir do governo, e sim de mobilizações populares. Para ela, é a população que deve fazer um controle do que o governo faz ou não e deve fazer suas próprias mudanças para montar uma grande transformação. “As soluções não estão com a gente, precisamos trabalhar com a comunidade para que os saberes populares e acadêmicos se unam. Assim, dá para levantar soluções e a comunidade pode resolver seus problemas”, afirma a estudante.
O corpo social
O sonho do engenheiro agrônomo Orlando Batista, 23 anos, para o Brasil é de desenvolvimento e educação. “Espero que o país consiga crescer principalmente na área rural e diminuir a criminalidade, prezando a educação. Quando o jovem é bem preparado e tem estrutura, se torna a força, a cabeça e os braços da sociedade”, afirma. Orlando concorda com os resultados da pesquisa “O sonho brasileiro”: para ele, cada um tem que fazer sua parte para mudar a sociedade. “Como diz uma música dos Engenheiros do Hawaii, ‘é fácil fazer o milésimo gol sentado na frente da televisão’.” Segundo o jovem, o maior problema do país é mesmo a corrupção, e ela não fica restrita ao plano político. “Hoje, a gente vê que cada um rouba o que pode: do funcionário da xerox que copia páginas de livros para os filhos aos políticos que desviam dinheiro público”, afirma.
Para fazer sua parte, Orlando trabalha com um assentado na região de Alto Paraíso. “A ideia é promover a região e criar uma identidade geográfica do trigo e café que plantam lá, fazer com que os produtos sejam únicos e reconhecidos”, conta. Para ajudar os agricultores que não têm verba disponível para comprar fertilizantes, o engenheiro agrônomo fez seu trabalho de conclusão da graduação sobre o uso da urina humana como fertilizante. Além desse trabalho com assentados, Orlando participa do projeto DV na Trilha.
Há dois anos, o engenheiro agrônomo e ciclista estava pedalando até Pirenópolis com um grupo, quando, parado em um posto de gasolina para descansar, teve sua atenção direcionada a um grupo de bicicletas duplas. “Lembro que fiquei admirando as bicicletas. Quando elas passaram, vi que as camisetas que os ciclistas usavam diziam ‘deficiente visual’. Não acreditei. Deficiente visual andando de bicicleta? Não é possível!” Orlando conheceu os diretores do projeto e se apaixonou pelos passeios de bicicleta com deficientes. “Eles te acolhem de um jeito muito especial. Sempre me ligam para chamar para pedalar. Para mim, é lazer, vou com todo o prazer. E como se fosse uma companhia para passear”, conta.
O trajeto depende da experiência do deficiente visual. O passeio pode ser feito em vias asfaltadas e pouco movimentadas para os novatos, e em trilhas de terra para quem já pedala há algum tempo. A deficiente visual Mariane dos Santos, 22 anos, já participa do DV na trilha há três anos. Ela foi apresentada ao projeto por um amigo e nunca mais parou. “Gosto muito de natureza e andar de bicicleta me dá uma sensação de liberdade incrível”, conta. Ela prefere os percursos de terra por serem mais emocionantes e lembra que já caiu várias vezes, mas nunca se machucou ou perdeu o ânimo. “Adoro sentir o vento no rosto e fazer trilha dá uma adrenalina incrível”, afirma. No projeto, as duplas de deficientes e condutores estão sempre mudando, mas, segundo Mariane, não é difícil fazer amizade. “Vamos criando uma afinidade com o condutor e fica cada vez mais fácil confiar nele. É uma delícia.”
Força da periferia
Raiane Azevedo, 24, é estudante e sonha em seguir o caminho do jornalismo social. Enquanto não se forma, trabalha na Central Única das Favelas do Distrito Federal (CUFA-DF). “É um trabalho que admiro muito. Aqui tentamos transformar os espaços públicos: não queremos que o jovem da periferia saia das ruas e sim torná-las saudáveis para que o mesmo jovem possa viver em liberdade”, conta a estudante.
Natural da Ceilândia, segundo ela, a primeira e maior favela de Brasília, Raiane sempre conviveu com injustiças sociais e com a falta de espaço. “Brasília é a terra das divisões, é uma cidade claramente separatista”, afirma. Vivenciando essa realidade, desde pequena luta pelos direitos das minorias, e acredita que as mudanças na sociedade não são feitas a partir do governo, e sim do povo. “Até já pensei em me candidatar a um cargo político, mas agora acredito que deve ser uma mudança diária, de concientização e de ajudar o próximo. A falta de tempo impossibilita que as pessoas sejam solidárias, mas cada um tem que fazer sua parte”, conta.
A jovem, que já foi voluntária no projeto Vida Positiva (ONG que cuida de crianças soropositivas e filhos de adultos infectados) e apresentou um programa de rádio chamado “Ação Periferia”, o primeiro a tratar do hip hop nacional, ainda quer mais. Atualmente, trabalha em projetos organizados pela CUFA-DF e pretende ajudar alguma ONG. “Não é só o dinheiro que ajuda, é preciso ir lá, botar a mão na massa, limpar o chão, ler para as crianças, agir mesmo. Acho importante dar carinho”, lembra.
O sonho de Raiane para o Brasil é que o país seja mais igualitário, com saúde, educação e segurança acessíveis para toda a população. “Acho que estamos caminhando para essa realidade. O país tem crescido, mas tem muito mais a crescer, com certeza.” Ela acredita que os jovens não são tão ativos quanto deveriam e que o papel da geração é de ter força física para trabalhar e mudar a sociedade. “O maior problema dos jovens é que são medianos. Tínhamos que assumir o protagonismo e nos dedicar mais”, afirma. Para o futuro pessoal, a estudante espera influenciar a opinião pública mostrando a realidade e mudar o pensamento das pessoas.
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