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A socióloga Miriam Abramovay, coordenadora de Estudos e Políticas sobre a Juventude da Flacso Brasil, analisa a violência nas escolas em texto publicado no 13° Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O estudo, lançado no dia 10 de setembro, é produzido pelo  Fórum Brasileiro de Segurança Pública e compila dados sobre os mais diversos tipos de violência e criminalidade.
A escola deveria ser o lugar da construção do saber, um local repleto de objetos de conhecimentos, valores e afetos, onde os jovens socializam, fazem amizades e onde podem ter uma interação com pessoas de referência, como os professores e diretores.
A escola poderia ser um refúgio onde os jovens encontrariam cooperação, vivenciariam resistências e assertividades, desenvolveriam habilidades de comunicação, competências para a resolução de conflitos e problemas e assumiriam responsabilidades. No entanto, muitas vezes as escolas perpetuam as desigualdades sociais em um ambiente em que os problemas de aprendizagem, o fracasso escolar, a evasão e repetência as reforçam.
Esta instituição apresenta fatores de risco, como os problemas de aprendizagem e fracasso escolar, a evasão, a exposição às situações de violências e os baixos níveis de participação comunitária.
Pode-se afirmar que a escola deixou de ser um espaço protegido e tornou-se um local que reproduz as violências que acontecem na nossa sociedade em nível macro e, ao mesmo tempo, devido às suas especificidades como instituição, fomenta e constrói múltiplos e variados  tipos de violências. A escola pode ser vítima, mas também autora de processos violentos.
Os dados sobre Violência Escolar produzidos a partir da consulta a diretores e professores na Avaliação Nacional de Rendimento Escolar (Prova Brasil 2017), realizada pelo Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), do Ministério da Educação (MEC), vêm reiterar as mudanças sofridas pela instituição escolar.
Quando se pergunta aos diretores e professores “Você foi vítima de algum atentado à vida?”, 1% responde que sim, o que corresponde a 8.054 pessoas. Se analisarmos pelas Unidades da Federação, essa proporção se apresenta mais elevada em Roraima (2,2%), Amazonas e Pará, ambos com 1,6%. A ameaça é um fenômeno recorrente nas escolas e ameaçar consiste em promessas explícitas de provocar dano físico ou moral. Em estudos qualitativos sobre o tema, as ameaças se dão principalmente em função de desavenças por notas, por problemas disciplinares, por suspensões, o que gera um clima de tensão cotidiana já que muitas vezes os estudantes reagem de forma agressiva e mesmo com violência física, o que gera sentimento de insegurança. A pergunta “Você foi ameaçado por algum aluno?” indica que 4,4% de professores e diretores foram ameaçados e 46,8% não foram, porém 48,8% não responderam essa questão. Em cinco Unidades da Federação verificam-se as mais altas proporções – Acre, Goiás, Mato Grosso, Rio Grande do Norte, Roraima, São Paulo e Sergipe -, onde 5% ou mais reportaram ter sofrido ameaça.
Os furtos são corriqueiros nas escolas e muitas vezes considerados sem importância, parecendo mesmo banais e naturalizados, mas são um dos tipos de incivilidade existente. Os dados mostram que 22.229 respondentes já foram furtados no último ano, ou seja, 2,7% dos professores e diretores que responderam à pesquisa. Sobre o roubo, que envolve uso de violência, a pesquisa indica que 0,7% já fo foram vítimas, ou seja, 5.504 professores e diretores.
Chama a atenção que em todas as perguntas sobre violência dura – aquelas previstas no Código Penal, como atentado, ameaça e roubo – quase metade dos diretores e professores não responderam. Pode-se conjeturar que existe medo de responder este tipo de pergunta, por temor a represálias. No caso de dados relacionados a agressões verbais, segundo as percepções dos diretores, os dados se invertem. Quando se pergunta sobre ocorrências de “agressão verbal ou física de alunos a professores ou funcionários da escola”, 48,9% afirmam que já aconteceram em suas escolas. No Distrito Federal, 62,9% responderam positivamente, 58,1% em São Paulo e 57% no Mato Grosso, o que mostra que há nas escolas problemas relacionados com o clima escolar e com as relações sociais entre os vários atores.
As relações entre os pares são as mais complicadas nas escolas, podendo ser prazerosas e conflituosas. Algumas vezes as maneiras de se relacionar que são típicas da infância e da adolescência são vistas como não civilizadas, como as brigas e os xingamentos. Perguntados sobre a ocorrência de “agressão verbal ou física de alunos a outros alunos”, 69,2% dos diretores afirmam existir em suas escolas. A maior porcentagem está no Distrito Federal (79,3%), seguido de São Paulo (75,7%) e Bahia (75,6%).
Perguntados também se “alunos frequentaram a escola sob efeito de bebida alcoólica”, 15,8% dos diretores responderam de forma afirmativa, com destaque para o Distrito Federal (28,6%), seguido por Roraima (23%), Goiás e Mato Grosso do Sul, ambos com (21,4%). É comum que os dados sobre drogas ilícitas apareçam em maior proporção: 21,3% dos diretores asseguram que “alunos frequentaram a escola sob efeito de drogas ilícitas”, com destaque para Distrito Federal (33,4%), São Paulo (27,7%) e Goiás (27%).
O recurso às armas em brigas e conflitos nestes tempos de agravamento da violência na sociedade chega à escola. Segundo a literatura internacional sobre o tema, levar uma arma para a escola pode ser símbolo de impor respeito, proteger-se e defender-se. A arma é um forte símbolo de poder, com marcas de gênero para demonstrar a masculinidade. Neste sentido, 14,9% dos diretores dizem que “alunos frequentaram a escola portando armas brancas”, proporção que se eleva a 32,6% no Distrito Federal, 25,3% no Amapá e 24,3% em Goiás.
Com relação às armas de fogo, 2,3% dos diretores asseguram que “alunos frequentaram a escola portando armas de fogo”, alcançando 3,7% no Amapá, 3,5% em Sergipe e 3,4% em Goiás. A segurança das escolas envolve fatores de risco e proteção tanto internos como externos e é importante conhecer “como se dá o controle de pessoas estranhas à escola”. No Brasil, a maior parte dos avaliadores considera que o controle é bom (75,9%), no entanto há 3,6% que dizem ser ruim e 2,5% inexistente, o que pode, além de causar insegurança, dar oportunidade para que aconteçam massacres como o de Suzano (1) .
Outro fator importante para que todos se sintam seguros na escola é a iluminação, para que se possa entrar e sair com mais segurança. 43,1% dos avaliadores dizem que “a iluminação do lado de fora da escola” é boa, 30,4% regular, 16, 8% ruim e 7,4% inexistente. Há muitos fatores que contribuem para que uma escola seja mais ou menos violenta. No entanto, há que reiterar a necessidade de políticas públicas no nível dos Estados e Municípios sobre o tema. A melhoria do clima escolar e das relações sociais tem impacto direto não somente na vida, na morte e na percepção do que é positivo e negativo, mas também no ensino-aprendizagem, na repetência, na evasão e principalmente na possibilidade de a escola voltar a ser um local de prazer e aprendizagem.

1. Ataque ocorrido em março de 2019 na cidade de Suzano, no interior de São Paulo. Dois ex-alunos abriram fogo à Escola Estadual Professor Raul Brasil, deixando cerca de 10 vítimas fatais, incluindo dois autores e 11 feridas.

A íntegra do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019 está disponível em https://bit.ly/2kGHJfr