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Confira opinião da socióloga Miriam Abramovay, coordenadora do programa Juventude e Políticas Públicas da Flacso, sobre posse de armas e violência escolar.Miriam Abramovay, socióloga, pesquisadora, doutora em educação e  argumenta que alguns jovens podem ver nas armas de fogo símbolo de status e poder e, por isso, querer portá-las e exibi-las no ambiente escolar, sem que haja intenção de ferir ninguém.

Em maio deste ano, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PSL), publicou um decreto que flexibilizava o porte e a posse de armas de fogo no País. No texto, o presidente pretendia estender o porte para quase 20 categorias profissionais, entre elas, caminhoneiros, advogados, agentes de trânsito, conselheiros tutelares e, até mesmo, jornalistas de cobertura policial.

O decreto — revogado pelo próprio Bolsonaro no último mês de junho — foi anunciado poucas semanas depois do episódio em que dois adolescentes entraram armados na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, São Paulo, e dispararam contra estudantes e funcionários de lá. Massacre que abalou o País e que resultou em dez pessoas mortas, incluindo os atiradores.

Na época da tragédia, o senador Major Olímpio (PSL-RJ), líder do partido do presidente no Senado, argumentou que, “se houvesse um cidadão com arma regular dentro da escola, professor, servente ou policial aposentado, poderia ter minimizado o tamanho da tragédia”.

Entenda, a seguir, como o debate armamentista afeta o ambiente escolar.

Legislação e controle nacional

Qual a diferença entre posse e porte de arma?

Posse

A posse consiste em manter a arma de fogo dentro de casa ou no ambiente de trabalho.

Porte

É, basicamente, andar armado fora de casa ou fora do ambiente de trabalho em que é permitida a posse da arma.

A posse, no Brasil, pode ser concedida pela Polícia Federal a cidadãos comuns desde que eles obedeçam às regras estabelecidas para a comercialização e registro do armamento. Já o porte é restrito a, por exemplo, profissionais de segurança, policiais e agentes das Forças Armadas.

O que a legislação nacional entende como crime?

  • Posse e porte irregular de arma de fogo de uso permitido;
  • Posse e porte irregular de arma de fogo de uso restrito;
  • Comércio ilegal de arma de fogo;
  • Tráfico internacional de arma de fogo;
  • Não tomar o cuidado necessário para evitar que menores de 18 anos ou pessoas portadoras de deficiências mentais se apoderem da arma de fogo;
  • Aos proprietários ou responsáveis por empresa de segurança e transporte de valores (carros-forte, por exemplo), deixar de registrar e de comunicar à Polícia Federal perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de arma de fogo, acessório ou munição nas primeiras 24 horas depois de ocorrido o fato;
  • Disparar em lugar habitado, em via pública ou em direção a ela.

Flexibilização

O presidente Jair Bolsonaro decretou a flexibilização do porte e da posse de armas em maio deste ano. Porém, pressionado pela repercussão, revogou o decreto no último mês de junho e optou por enviar suas propostas como projeto de lei para análise da Câmara, onde, até este momento, permanece.

Segurança pública

A flexibilização do porte e da posse de armas no Brasil desperta a preocupação de estudiosos da segurança pública com o aumento da circulação de armas e, consequentemente, a maior possibilidade de conflitos em ambientes e situações como num bar ou no trânsito.

Há evidências, no País, de que a cada 1% a mais de armas de fogo em circulação, há aumento de 2% na taxa de homicídio.

Segundo o Atlas da Violência 2019, a presença de armas de fogo nos lares também aumenta as mortes dos moradores, tanto por questões que envolvem crimes passionais e feminicídios como porque aumentam as chances de suicídio e de acidentes fatais, incluindo crianças.

No Brasil…

Em 2017, 47,5 mil homicídios foram cometidos com uso de arma de fogo. Esse dado é 6,8% maior do que o observado em 2016 e 39,1% maior do que o registrado em 2007. Se considerarmos a série histórica, entre 1980 e 2017, essa estatística chega a 955 mil.

Enquanto isso, no Ceará…

O número de homicídios por arma de fogo cresceu 283,8% entre 2007 e 2017.

“A restrição dificulta, num momento de conflito, de desavença, de a pessoa se valer da arma de fogo.” Ricardo Moura, pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará (UFC) e colunista do O POVO.

Mercado ilegal

Parte das armas legais pode ser extraviada ou roubada e, assim, cair no mercado ilegal.

Violência nas escolas

Armas nas escolas?

Ouvimos uma psicóloga, uma socióloga e um pesquisador. Os três garantiram que escola não é lugar de arma e, sim, de ensino, aprendizado e mediação de conflitos.

Miriam Abramovay, socióloga, pesquisadora, doutora em educação e coordenadora do programa Juventude e Políticas Públicas da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, argumenta que alguns jovens podem ver nas armas de fogo símbolo de status e poder e, por isso, querer portá-las e exibi-las no ambiente escolar, sem que haja intenção de ferir ninguém.

A psicóloga, psicanalista e professora da Universidade de Fortaleza (Unifor), Sabrina Serra Matos, assegura que armar professores com a justificativa de oferecer proteção pessoal a eles ou para lidar com conflitos dentro da escola não faz diminuir a violência. “A via tem que ser do diálogo, do discurso e da educação, sempre.”

Ricardo Moura observa que autorizar a professores o porte de arma coloca eles próprios em risco. “Essa proposta não tem o menor sentido. Professor está lá pra educar, dar aula, ministrar conteúdo.”

Medidas que os especialistas sugerem para melhorar a segurança do ambiente escolar

  • Trabalhar habilidades socioemocionais de todos que compõem a escola;
  • Trabalhar mediação de conflito no ambiente escolar;
  • Promover ambientes agradáveis e acolhedores;
  • Capacitar professores e gestores;
  • Fomentar políticas públicas voltadas para a convivência escolar;
  • Investir em segurança no entorno da escola e em ronda escolar;
  • Promover debates sobre segurança pública e saúde mental.

Casos de violência com arma de fogo em escolas do Brasil

Suzano, SP (13/03/2019)

Dois adolescentes entraram na escola em que estudavam e atiraram contra alunos e funcionários. Os dois se mataram logo após o massacre.

Medianeira, PR (28/09/2018)

Dois adolescentes entraram armados na escola e um deles atirou contra os colegas de classe. Um dos dois adolescentes (ambos foram apreendidos) disse à Polícia que sofria bullying.

Realengo, RJ (07/04/2011)

12 crianças morreram e 13 ficaram feridas depois que um homem entrou numa escola e atirou contra alunos em salas de aula lotadas. O atirador se matou.

Aposta do Enem

O tema desta inforreportagem foi escolhido por uma comissão de professores que compõem a banca do concurso “Redação Enem: chego junto, chego a 1.000”, uma parceria entre a Fundação Demócrito Rocha (FDR) e a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc).

A partir deste tema, estudantes da terceira série do ensino médio da rede pública e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) são convidados a escrever uma redação nos moldes do exame. As inforreportagens são publicadas às quartas-feiras até o próximo dia 25 de setembro.

Fontes: Atlas da Violência 2019 / Estatuto do Desarmamento / O POVO.Doc / Ricardo Moura, pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará (UFC) e colunista de segurança pública do O POVO / Sabrina Serra Matos, psicóloga, psicanalista e professora da Universidade de Fortaleza (Unifor) / Miriam Abramovay, socióloga, pesquisadora, doutora em educação e coordenadora do programa Juventude e Políticas Públicas da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais.