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Tropas do Exército brasileiro atuam no Espírito Santo durante greve de PMs. Foto: EBC

Tropas do Exército brasileiro atuam no Espírito Santo durante greve de PMs. Foto: EBC

A paralisação da Polícia Militar no Espírito Santo nos últimos dias voltou a colocar em evidência a crescente crise de segurança pública do Brasil.

Desde o último sábado, várias cidades no Estado, incluindo a capital Vitória, viraram palco de um alto número de assassinatos, furtos, tiroteios e arrastões, com mais de 120 mortes.

A paralisação começou com um protesto de mulheres de policiais militares que se posicionaram diante das portas dos batalhões para impedir a saída das viaturas. Elas reivindicam reajuste salarial e melhoria das condições de trabalho.

A crise no Espírito Santo acontece pouco depois de rebeliões que terminaram em massacres em presídos nas regiões Norte e Nordeste e após ameaças de greve e paralisações de polícias em outros Estados do Brasil, no que especialistas consultados pela BBC Brasil chamaram de “uma mesma crise da arquitetura institucional que organiza a segurança pública brasileira”.

Eles elencaram os principais fatores por trás do problema:

1. Limbo sócio-jurídico

Para começar, há um vácuo jurídico acerca do tema segurança pública, avalia Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

“Nossa Constituição não diz o que é segurança pública, nenhuma lei diz que segurança pública é proteger a população ou investigar criminoso, só diz por quem a segurança vai ser exercida”, disse ele à BBC Brasil.

“Então segurança é um conceito que ganha significado no dia a dia da prática policial. Se olharmos para a história das instituições policiais hoje, muitas estão reguladas por outro conceito de segurança, que é a manutenção de um modelo de ordem pública, de uma situação em que o Brasil tem um inimigo interno. A lógica é que o tráfico é o inimigo a ser combatido e deixamos de lado uma série de problemas ligados à preservação da vida”, explica.

Para Lima, um bom conceito de segurança pública seria prevenção, investigação e punição de responsáveis por atos de violência e criminalidade e administração de conflitos para garantir direitos básicos da população para que ela possa exercer outros direitos da cidadania, como sair de casa, ir ao médico e trabalhar.

2. Precariedade do sistema penitenciário

As rebeliões em várias unidades prisionais do Brasil nas primeiras semanas de 2017 que provocaram mais de 130 mortes evidenciaram a precariedade do sistema penitenciário.

Atualmente o Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo, com 622 mil detentos e apenas 371 mil vagas, de acordo com o Ministério da Justiça. De 2000 para cá, a população carcerária mais que dobrou de tamanho.

“O problema de fundo é que o Brasil encarcera muito e encarcera mal. O país adotou uma política de guerra às drogas, qualquer um que é pego com drogas é preso. Se o menino entra um contraventor, vai para a universidade do crime. Não é pelo encarceramento que se causa melhoria da segurança”, disse à BBC Julio Jacobo Waiselfisz, sociólogo, autor do Mapa da Violência e coordenador de estudos sobre Segurança Pública da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).

E ainda há o problema da guerra entre facções criminosas dentro das prisões.

“Todos sabem que há facções dentro das prisões, facções violentas que dominam o sistema carcerário. Estamos de crises em crises que podemos chamar de anunciadas e para cada período desses o governo cria um plano que nunca se concretiza”, diz Waiselfisz.

3. Reformas que não saem do papel

Este é outro problema apontado por ambos os especialistas em segurança pública.

“O plano nacional de segurança pública de hoje é (semelhante ao) de 2002, então temos uma série de reformas que se discutem mas não foram concretizadas até hoje, como reforma do código penal, desmilitarização da polícia, mais recursos para políticas públicas”, explica Waiselfisz.

Para Lima, esse problema está ligado a uma desconexão de instituições que compõem o sistema de segurança pública.

“Como não há uma clareza sobre o que é segurança pública, quem dá sentido a isso são as instituições, em especial a polícia, mas também tribunais, delegacias, Ministério Público. Cada uma faz um pedaço em uma profunda desconexão tanto administrativa quanto republicana, envolvendo judiciário com executivo e defensoria”, diz.

“Nesse quadro de baixíssima eficácia institucional, que afeta a resolução do que poderíamos pensar como segurança pública, ninguém se sente dono do problema, fica um jogo político de empurra com uma baixíssima governância da vida pública”, afirma.

4. Falta de investigação

O estudo “Diagnóstico da Investigação de Homicídios no Brasil”, realizado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e divulgado em 2012, apontou que a média nacional de resolução de homicídios é de apenas de 5%. No Reino Unido, esse número é de 93%.

“Não temos pesquisas, não temos polícia técnica judiciária e sofremos com um deficit impressionante de investigação e ocorrência. As polícias não prestam contas e têm dificuldade de construir uma relação de confiança com a população”, afirma Waiselfisz.

Segundo o sociólogo, a ineficiência da polícia em termos de investigação está ligada a outro fator que explica a crise de segurança pública, que é a falta de recursos.

5. Recursos

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2016, o Brasil gasta 1,5% do PIB em segurança pública, um pouco menos dos gastos da França na área (1,7% do PIB). “Precisamos de muito mais dinheiro”, afirma.

Outro problema é a forma como esse valor é repassado.

“Os mecanismos de finanças precisam ser revisados. Atualmente esse dinheiro é repassado por convênios, mas o custo do repasse é caro porque passa por impasses burocráticos. A segurança precisa de dinheiro constante e planejamento, o comandante precisa saber quanto dinheiro vai receber a cada ano para pensar em um plano de trabalho. Isso não acontece hoje”, explica o especialista.