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Mitchel Resnick acredita tanto que todas as fases do aprendizado deveriam ser como o jardim de infância que tudo o que faz como professor do MIT Media Lab aponta para isso. Fundador do Scratch, linguagem de programação que já introduziu dezenas de milhares de crianças ao universo dos códigos, Resnick é diretor no MIT de um grupo chamado Lifelong Kindergarten (jardim de infância ao longo da vida, em livre tradução), no qual desenvolve tecnologias para promover a criatividade entre os alunos.

Fisicamente, os espaços onde seus alunos de mestrado e doutorado fazem suas pesquisas em muito se assemelham com as salas de educação infantil: laboratórios amplos, sem muitas paredes, com muito material colorido – de tubos enormes de tecido a massas de modelar – e até mesas de totó e pingue-pongue à disposição. Mas como estão em uma das universidades mais tecnológicas do mundo, além de todos esses apetrechos artesanais, seus alunos têm acesso também a computadores de última geração e robôs de todos os tipos.

É desse ambiente que respira criatividade e tecnologia de ponta que Resnick propõe mudanças na educação hoje. O especialista acredita que é preciso derrubar várias barreiras que têm sufocado a escola: a de disciplina, para que os alunos possam aprender por projetos; a de tempo, para que não sejam obrigados a dedicar apenas 50 minutos ou uma hora a alguma atividade; a de idade, para que colegas de séries distintas possam aprender uns com os outros; e a dos muros da escola. “Temos que fazer o aprendizado durar o dia inteiro e provocar que o que é feito fora da escola influencie o que é feito dentro – e vice-versa”, afirmou o especialista em entrevista ao Porvir.

Ferrenho defensor do Maker Movement, Resnick acredita que a programação deve ser ensinada para todos, já que essa habilidade pode ajudar no desenvolvimento das sociedades. Por quê? Ele elenca três razões: os códigos fazem com que as pessoas trabalhem colaborativamente, as ajudam a organizar o pensamento de maneira sistemática e estimulam que tenham ideias criativas para resolver problemas inesperados. Sua convicção o faz comparar a importância de programar com a de ler ou escrever e ainda compara sua lógica com a que Paulo Freire usou décadas atrás. Na época, o educador brasileiro dizia que ensinar a escrever era importante não por questões práticas, mas também porque empoderava os cidadãos a se tornarem ativos em seus meios. “Com programação é a mesma coisa.”

Confira a seguir trechos da entrevista. Para os que ficarem curiosos e quiserem saber mais, Resnick estará hoje no Transformar 2014, dia em que o Porvir completa dois anos. Sua palestra poderá ser assistida ao vivo a partir das 17h pelo site transformareducacao.org.br ou pelo Canal Futura.

 

O senhor já disse que o uso de tecnologias digitais tornará possível uma revolução no aprendizado caso esses recursos sejam usados não apenas para reforçar abordagens educacionais ultrapassadas. Podemos identificar as mudanças mais relevantes em educação feitas nos últimos anos?

Existe um potencial muito grande para uma revolução da educação a partir das novas tecnologias, mas infelizmente muitas estão sendo usadas de formas que não têm trazido uma mudança significativa para a educação. Conforme muitas dessas novas tecnologias entram na educação, elas acabam sendo usadas para reforçar abordagens educacionais tradicionais, num processo de apenas entregar informação a quem está aprendendo.

Algumas vezes, as tecnologias são usadas para permitir que o estudante busque e acesse informações. É um pouco como o aluno ir à biblioteca, mas tendo acesso a uma biblioteca muito maior. Isso é uma etapa importante, mas é só o primeiro passo.

As maiores mudanças no aprendizado não virão apenas de uma melhor entrega de informações, ou de um melhor acesso a informações. Devemos dar oportunidade para os alunos criarem e se expressarem de novas formas.

Temos três grandes metas ao ensinar as pessoas a programar: ajudar as pessoas a pensar criativamente, a pensar sistematicamente e a trabalhar colaborativamente

Quando o senhor fala em deixar alunos criarem e se expressarem, não posso deixar de pensar no Maker Movement, o movimento do fazer. O senhor considera que essa abordagem pode ser revolucionária?

A melhor experiência de aprendizado acontece quando estamos envolvidos em criar, fazer pensar no design das coisas. E pode ser qualquer tipo de coisa: fotos com impressões digitais, um poema, um robô com materiais eletrônicos.

Penso na criação de forma mais abrangente. O Maker Movement tenta popularizar essa ideia, provendo novas ferramentas e novas estratégias para todo mundo poder criar. Capacitar todas as pessoas a fazer coisas é muito importante porque o mundo hoje está mudando muito rápido. Muito do que aprendemos hoje vai estar obsoleto amanhã, mas uma coisa que não vai ficar obsoleta é a habilidade de aprender bem e encontrar soluções criativas.

Que outra iniciativa o senhor acredita que também tenha esse potencial?

Do mesmo modo que vimos o Maker Movement criar novas oportunidades para as pessoas fazerem coisas, nos últimos dois anos podemos observar o começo de um Coder Movement [movimento da programação], provendo oportunidades para que as pessoas aprendam a programar. Os dois têm o mesmo espírito. As pessoas não deveriam usar o computador só para navegação, para conversar e jogar, mas para o design e para a criação. Ensinando as pessoas a programar, estamos as capacitando para que expressem suas ideias com novas tecnologias.

Inclusive o senhor já disse em um artigo recente no EdSurge, o “Learn to Code, Code to Learn, que considera a programação a extensão da escrita. Em um futuro próximo, a importância da programação pode ultrapassar a da escrita?

Eu não acho que saber programar vá ser mais importante que escrever, mas acredito que possa ter a mesma importância. Do mesmo modo que queremos que as pessoas aprendam a escrever, existem razões similares para querermos que todos aprendam a programar. Muito frequentemente, as pessoas pensam em programação de modo limitado, como se fosse útil apenas para quem quer ser programador. Mas programação é importante, em primeiro lugar, para expressar as ideias. Depois, ajuda a organizar os pensamentos. Existe também uma questão quase política: quando se aprende a programar, sente-se o poder e o controle sobre essas novas tecnologias que são tão importantes para a nossa sociedade. É importante saber escrever não apenas pelas razões pragmáticas, mas porque nos faz sentir parte da sociedade em geral.

Esse é um ponto que com certeza foi levantado no Brasil por Paulo Freire. Ele entendeu que aprender a escrever era importante não só por questões práticas, mas para se sentir um participante ativo da sociedade. Com a programação é a mesma coisa. As pessoas podem usá-la especificamente para conseguir um emprego, mas não todo mundo. Ela pode ser útil para compartilhar ideias, para desenvolver identidade e voz, para organizar pensamentos e para as pessoas se sentirem participantes da sociedade atual.

Se hipoteticamente tivéssemos uma sociedade em que todo mundo soubesse programar, o que faria essa sociedade melhor da que temos hoje?

Acho que temos três grandes metas ao ensinar as pessoas a programar: ajudar as pessoas a pensar criativamente, a pensar sistematicamente e a trabalhar colaborativamente. São fatores importantes para o sucesso e a felicidade individual e para a sociedade. Se quisermos uma sociedade em que as pessoas tragam novas ideias para lidar com situações inesperadas, que pensem nos problemas de forma sistemática e que trabalhem em conjunto, temos que ensiná-las a programar.

Eu sempre busco inspiração no modo que o ensino é conduzido no jardim de infância. As crianças estão constantemente criando em colaboração e, no processo, eles aprendem coisas importantes. Infelizmente o restante da vida escolar não é assim.

Tanto no movimento do fazer quanto na programação, a lógica da divisão do tempo por disciplinas se enfraquece. O que o senhor propõe como alternativa?

Eu acredito no ensino baseado em projetos, no qual as pessoas trabalham em projetos significativos que misturam todas as disciplinas. Quando se trabalha em um projeto, é preciso escrever, resolver problemas matemáticos e ter conhecimentos científicos. Essa é a melhor preparação para o tipo de trabalho que fazemos como adultos, na vida. E a maioria das pessoas, não importa se trabalham como jornalistas, gerente de marketing, ou como políticos, todo mundo trabalha com projetos.

Mas não é uma mudança muito grande? Como é que se pode fazer para preparar os professores para essa nova lógica?

É importante que os professores continuem a ser aprendizes, porque o mundo está em constante mudança e os professores não podem confiar em coisas que eles aprenderam no passado. Eles têm que estar dispostos a arriscar e reconhecer que não têm todas as respostas e que saber tudo nem é mais importante. Eles devem trabalhar com os estudantes, ensiná-los como pesquisar, explorar, questionar as coisas.

Quando o senhor fala sobre a necessidade de termos um pensamento e uma abordagem criativa nos processos de aprendizagem, o senhor vê algum modo de ter isso de forma prática em uma rede de escolas públicas?

Acho que é possível, se estivermos dispostos. Precisamos quebrar muitas barreiras: a das disciplinas, e trabalhar por projetos; a do tempo, e trabalhar com períodos maiores. Também precisamos quebrar as barreiras entre idades. Se queremos que as pessoas sejam criativas, elas não podem trocar só com os colegas da terceira ou da quinta série. Queremos pessoas de diferentes idades trabalhando juntas. Também temos que quebrar a barreira de dentro da escola e fora dela. Temos que fazer o aprendizado durar o dia inteiro e provocar que o que é feito fora da escola influencie o que é feito dentro – e vice-versa.

Sem tantas barreiras, o aluno ganha mais autonomia para escolher o que quiser aprender, certo? Isso acaba sendo bem desafiador para o professor…

[Acabar com as disciplinas] não é uma questão de deixar os estudantes fazerem o que quiserem. É uma combinação entre dar mais liberdade para os alunos, para os professores e dar estrutura para terem sucesso. Os professores têm que ter um papel diferente, mas muito importante: ajudar os alunos a fazer conexões entre o trabalho prático e os conceitos porque existem temas importantes [disciplinares] que queremos que os alunos aprendam. Além disso, os professores também têm que ensinar os alunos a persistir e perseverar quando as coisas não vão bem, para que eles não fiquem frustrados e desistam.

O senhor dirige no MIT um grupo chamado de Lifelong Kindergarten , que defende que a abordagem do jardim de infância deveria ser aplicada a todos os níveis educacionais. Você acha que é possível isso acontecer, mesmo no ensino superior?

Eu sempre busco inspiração no modo que o ensino é conduzido no jardim de infância. As crianças estão constantemente criando em colaboração e, no processo, eles aprendem coisas importantes. Infelizmente o restante da vida escolar não é assim. É um processo de entrega de informação aos alunos. Mas não precisa ser assim. Podemos usar a abordagem do jardim de infância com estudantes de todas as idades. Aqui no MIT, tentamos conduzir o Media Lab como um grande jardim de infância. Aqui os estudantes estão sempre criando coisas em colaboração uns com os outros. Claro que eles usam tecnologias mais avançadas, mas o processo é o mesmo.

Como o senhor imagina as salas de aula daqui a 20 anos?

Não sei dizer como elas vão ser, mas posso dizer como eu espero que sejam. Volto ao que já disse antes, sobre termos que derrubar algumas barreiras.

Eu gostaria de quebrar as paredes das salas de aula de diferentes maneiras. Não quero uma sala maior, mas fazer as pessoas trabalharem em projetos, que podem durar longos períodos de tempo, que mesclem disciplinas e que sejam significativos para suas vidas fora da escola. Que o que se trabalhe dentro da escola faça sentido também fora dela.