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O intenso volume de fusões e aquisições no mercado do ensino brasileiro preocupa especialistas da área. O mais recente anúncio foi a compra das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) pela americana Laureate, no fim do mês de agosto, que ainda está sob avaliação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Em abril, outro grande negócio da área foi a fusão das gigantes do ensino superior brasileiro Kroton Educacional e Anhanguera Educacional. Se aprovada pelo Cade, as duas ficarão com cerca de 1 milhão de alunos e valor de mercado de cerca de R$ 12 bilhões, criando o maior conglomerado do setor no mundo. As duas empresas já abriram seus capitais na bolsa de valores, causando discussões e dúvidas sobre o tratamento que será dado à educação brasileira: se apenas o lucro será visado ou também a qualidade.

 

Uma audiência pública, solicitada pelos deputados do Psol Ivan Valente (SP), Jean Wylliys (RJ) e Chico Alencar (RJ) e pelo peemedebista Celso Jacob (RJ), ocorreu no início de outubro na Câmara dos Deputados com a intenção de debater as fusões educacionais e seus impactos no ensino brasileiro. O Ministério da Educação (MEC) não compareceu ao encontro.

Para justificar a ausência, uma carta foi enviada à Comissão de Educação, alegando que o MEC não tinha conhecimento oficial da operação financeira e que, portanto, não compete à Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres) se pronunciar sobre o fato, mas se colocou à disposição da Câmara para uma nova audiência pública sobre o assunto. Atualmente, operações econômicas do setor de educação devem ser primeiramente avaliadas e aprovadas pelo Cade, para só então passarem à apreciação da Seres.

 

A criação do Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior (Insaes), que teria a competência de analisar previamente fusões, aquisições e outras operações, está tramitando na Câmara (Projeto de Lei 4372 de 2012).

 

“O aluno virou um ativo”
Para Valente, autor de projeto que proíbe a entrada de capital estrangeiro em instituições educacionais do Brasil, além das fusões, a entrada de grupos internacionais como a Laureate no sistema brasileiro pode prejudicar o ensino na medida em que a educação passe a ser tratada como comércio. O deputado acredita que, na lógica de mercado, a modalidade educacional mais rentável no momento é o Ensino a Distância (EAD), que implica em enxugamento de quadro de professores, utilização de especialistas em vez de mestres e doutores, baixando o custo do ensino e aumentando o lucro. “É muito difícil termos EAD de qualidade, pois a lógica é lucrar mais, não se fazendo pesquisas. Os gastos do ensino deveriam ser vistos como investimentos. O aluno virou um ativo”, diz.

 

Para o político, a educação é um dever do Estado, que investiria menos em instituições públicas e mais em bolsas como Prouni, que oferece isenção de impostos e até o pagamento do imposto de renda por meio das mensalidades das bolsas, e financiamentos como o Fies, que prorroga a cobrança ao aluno e o governo emite títulos de créditos na universidade, os recomprando todo mês, evitando problemas de inadimplência nas instituições. “O setor privado acaba sendo alimentado pelo setor público. Há uma fuga do Estado em suas obrigações de investir maciçamente na educação pública de qualidade e reavaliar as autorizações dadas ao setor privado”, conclui.

 

O presidente da Federação dos Professores do Estado de São Paulo (Fepesp), Celso Napolitano, concorda que programas de financiamento e bolsas de estudo oferecidos pelo governo contribuam para atrair investidores que entram e saem dos negócios conforme o lucro e que não estão preocupados com o estudante brasileiro. “Se por um lado existe uma facilitação para o aluno que não tem condições de pagar uma instituição privada, por outro, as opções oferecidas pelo governo representam receita certa para as faculdades. É muito mais barato pagar bolsa de estudo do que investir em ensino público”, explica.

 

Este cenário associado ao ensino a distância provoca interesse em grandes investidores. A conta é simples: o custo fixo diminui, aumenta o volume de alunos e reduz a folha de pagamento dos professores. “A concentração do ensino em grandes grupos pode fazer com que hajam currículos mínimos e unificados dentro desses grupos. Para evitar o problema, deve existir uma maior regulamentação e uma medição dos resultados dos egressos, [conferindo] se obtiveram um benefício efetivo no mercado de trabalho”, opina. Napolitano acrescenta que o ensino a distância gera uma falsa polêmica. “Em um país de dimensões continentais como o nosso é difícil ser contra a modalidade, pois quem mora em estados mais afastados pode ter o mesmo acesso que o morador de São Paulo tem, por exemplo. Porém, um déficit na qualidade do ensino pode afetar a produtividade futura do País, assim como no presencial. É necessária uma regulamentação efetiva, que o MEC já vem realizando”, explica.

 

Em coletiva para a imprensa em agosto deste ano, o vice-reitor executivo do grupo FMU, Arthur Macedo, afirmou que com a Laureate, o número de alunos será triplicado nos próximos três anos e que cerca de 60% dessa expansão virá do EAD. A instituição não quis se pronunciar sobre o assunto.

 

Segundo o MEC, a regulação dos cursos superiores a distância é semelhante a dos presenciais. Para iniciar a oferta da modalidade, a instituição deve ser credenciada pelo Ministério, que avalia a infraestrutura para a finalidade. Para o recredenciamento são levados em conta os indicadores de qualidade. A instituição deve ter a autorização do curso (no caso de faculdades, porque universidades e centros universitários têm autonomia e não precisam da autorização), que é condição para emitir diplomas.

 

Crescimento de ensino a distância supera presencial
O ensino a distância está ganhando espaço no cenário brasileiro. Segundo dados do Censo do Ensino Superior 2012, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), houve cerca de 5,9 milhões de matriculados na modalidade presencial e cerca de 1,1 milhão a distância. Em 2001, as matrículas do ensino presencial foram cerca de 3 milhões e do a distância, 5.359, crescendo 205 vezes em 11 anos, contra um crescimento de 1,9 vezes da modalidade presencial no mesmo período.

 

A consultora da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), Ivete Palange, informa que não existe uma regulamentação do número máximo de alunos para um professor nos cursos EAD. Em 2011, a Abed investigou as equipes que trabalham com a modalidade, que apontaram como número ideal de atendimento 30 alunos. Cursos de graduação precisam ser autorizados pelo MEC e para um aluno de outro Estado se matricular é preciso que exista um polo de atendimento próximo, para que ele possa fazer as avaliações. Também existem os chamados cursos livres, que qualquer instituição pode oferecer sem precisar de autorização do órgão regulador, como especializações de nível superior.

 

A Abed realiza anualmente, desde 2008, o Censo EAD, que busca mapear o andamento da educação a distância no País. As 1.200 instituições associadas são convidadas a responder um questionário. Em 2012, 252 instituições e 32 professores independentes contribuíram. Do total, 43 instituições oferecem apenas cursos EAD, 47 oferecem EAD e presenciais, 139 oferecem EAD, presenciais e semipresenciais (20% pode ser oferecido on-line) e duas não responderam. As regiões com maior número de cursos EAD oferecidos são Sudeste e Sul, com 916 e 569, respectivamente. A região Nordeste oferece 170 cursos, a Centro-Oeste, 154 e a Norte, 47 cursos. Destes cursos, 54% são de pós-graduação, 29,1% de graduação, sendo 38% de licenciatura. Quando foram questionadas sobre o conteúdo dos cursos, 95 instituições responderam que utilizam conteúdos pensados originalmente para o EAD e 75 reformularam o conteúdo presencial para ensinar a distância.

 

Interatividade potencializa o aprendizado no EAD
“A primeira etapa para uma melhor educação a distância é a mudança do discurso. O que nos surpreendeu é que os discursos dos respondentes estão preocupados com a qualidade, em não só oferecer texto, mas também outros tipos de recurso. Há também uma preocupação com o acompanhamento”, comenta. Para a consultora, a preocupação das empresas apenas com o lucro irá sempre comprometer a educação, pois a aprendizagem do aluno sai de foco. “Por outro lado, para formar a marca da instituição, atrair e manter alunos é preciso muito investimento, que não pode ser feito levando em conta apenas as regras do mercado, mas também as da aprendizagem”.

 

Outro fator importante, que não pode ser esquecido pelas universidades é a interatividade. Para Ivete, quando se criam estratégias para aumentar a interação nos cursos EAD, com informações mais visuais além de textos, a modalidade funciona. “Temos de ter a preocupação com a aprendizagem do aluno, relacionada com recursos múltiplos como jogos, aplicativos de interação, que não são baratos. Exige investimento, acompanhamento, dedicação. O ensino a distância é importante se bem organizado. Um grupo de alunos que trabalhava em alto-mar, por exemplo, só pode estudar durante o tempo que fica em terra nessa modalidade”, diz.

 

A educação a distância nas grandes instituições
O Grupo Anhanguera Educacional não se pronunciou sobre nenhuma questão levantada pelo Terra. Em seu site, a universidade apresenta 15 cursos de graduação que podem ser realizados a distância nos formatos semipresencial, em que o aluno vai à faculdade apenas duas vezes por semana para assistir às tele-aulas, como no curso de enfermagem, ou totalmente online, indo até a instituição apenas duas vezes por semestre para realizar as provas, como nos cursos de administração, letras e pedagogia.

 

A Kroton Educacional possui 53 unidades de ensino superior e 447 polos de graduação EAD, com um total de mais de 514 mil alunos, onde 352 mil deles estudam pela modalidade a distância. A instituição também é dona da maior rede de ensino a distância do País, a Universidade Norte do Paraná (Unopar), que oferece 13 cursos de graduação, 11 cursos superiores de tecnologia e mais de 20 opções de especializações e MBA. O conceito da instituição no Índice Geral de Cursos 2011 (IGC), realizado pelo Inep, foi 3. Para o diretor de operações EAD da Kroton, Dieter Paiva, o processo educativo precisa se relacionar com a dinâmica social e com a era digital. “Não se pode perder de vista a necessidade de uma forte base formativa, tradicional, mas não é possível apenas replicar um modelo desenvolvido com sucesso para o ensino presencial. O termo ‘a distância’ não pode significar ‘ser raso’. Ao contrário, o modelo deve usar as ferramentas e tecnologias para proporcionar ao aluno um aprendizado ainda mais profundo e contextualizado, repleto de interações”, explica. “Material didático, professores qualificados e tutores com formação e em quantidade adequada são essenciais”.

 

Quanto às fusões e sua relação com a diminuição na qualidade do ensino, Paiva afirma que essa relação não existe. “A criação de grandes grupos educacionais, no Brasil e no exterior, tem sido elemento vital para a melhoria do sistema educacional como um todo. A nova instituição, formada da fusão de grupos educacionais menores, possui maior capacidade de investimento, que se traduz em inovação e formação prática diferenciada”, conclui.

 

O diretor de EAD da Universidade Anhanguera – Uniderp, José Moran, acrescenta que a modalidade está crescendo mais que a presencial pois não era tão bem consolidada e é relativamente nova no Brasil, e que qualidade deveria ser medida pelas equipes de professores e pelas propostas, não pela modalidade. “Deve existir um cuidado para preparar bem as equipes para o EAD. O acompanhamento do aluno é tão importante quanto o conteúdo que é passado”, aponta. O professor também explica que existem alunos que não tem perfil para cursar a distância, pois não têm autonomia e não sabem gerenciar o seu tempo. “Com o EAD é possível conciliar estudos com trabalho mais tranquilamente. Profissionais não precisam mais sair das pequenas cidades e ir para grandes centros. Depois de formados, continuam contribuindo para a evolução de suas cidades. A modalidade a distância aproxima distâncias”, conclui.